Para o individualista, o casamento é o epílogo de uma história de
amor; para nós é o prólogo de uma história de amor. No primeiro caso o amor é
exigente e se acerca do guichê nupcial para receber os juros; no segundo caso o
amor é paciente e fecundo, e não procura o seu próprio interesse. Para o
individualista o casamento é uma empresa que visa primordialmente o
lucro; para nós é uma empresa que visa primordialmente a produção. O
individualista sonha obter no casamento um fruto e um descanso. Nós outros, na
difícil medida em que bem servimos nosso ideal, queremos a aventura fecunda dos
grandes descobridores: os noivos partem juntos numa nau armada para descobrir,
colonizar e cristianizar terras desconhecidas. Enquanto os outros tiveram de
batizar e de alfabetizar silvícolas que o acaso lhes entregara, os noivos terão
de cuidar, lá para onde vão, dos ferozes aborígenes que eles mesmos geraram. Ao
contrário do que pretendem os individualistas, o casamento para nós é a
fundação de uma pequenina pátria, cristal formador da pátria maior comum. E se
todos concordam que valha a pena dar a vida pela pátria comum, em que por acaso
nascemos, por que não haveremos de dar a vida pela pátria pequenina que nós mesmos
fundamos?
A todas essas coisas o divorcista responde com promessas de
felicidade, e aparece, diante do público desprevenido, como o simpático
paladino do amor humano. Mas na verdade o amor que eles exaltam é o amor
próprio. Ai de quem ama de verdade dentro do casamento individualista! Não há
nada mais penoso, mais humilhante do que a obrigação diária de representar o
papel de esposa desagradável, diante de um cônjuge que, de repente, pode sair
pela porta do divórcio. Suponhamos que seja a mulher a parte mais amorosa do
casal. Ela tem de ser cautelosa, habilidosa, jeitosa, como mulher financiada.
Não pode exercer a franca e leal oposição, que faz falta na família como na
cidade. Não pode bater com o pé no chão sem que lhe caia a casa na cabeça. Não
pode trazer para casa a mãe doente, porque Antônio não gosta. Não pode ser
verídica, não pode ser ela mesma, porque tem de ser feliz. E não há pior e mais
opressiva obrigação do que a de ser feliz. Na verdade, apesar da dialética
sentimental dos divorcistas, o divórcio é contra o amor. E contra a felicidade.
Há valorizações que desvalorizam. É fácil mostrar. Quando uma coisa é colocada
acima de seu verdadeiro lugar, com primazia indevida, com altitude inadequada,
o resultado inevitável é a degradação, a desmoralização daquilo mesmo que se
pretendeu valorizar. Caindo na falsa elevação, tem-se achatada a coisa que se
quis exaltada. Quem faz do prazer o pólo da vida acaba invariavelmente perdendo
tudo: mas a primeira coisa que perde é o prazer. Assim também é a felicidade,
que jamais, em esquema algum, pode ser colocada como objetivo primeiro e
direto. Ai de quem traça esse lúgubre programa! Dia a dia, passo a passo,
depois de haver experimentado casamentos sucessivos, depois de ter saboreado o
mel de uma dúzias de luas, só lhe restará, como derradeira tentativa, a fórmula
de Pascal. [1]
Não digo que a felicidade não seja desse mundo. A suprema, que vem da
visão de Deus, pertence efetivamente a uma ordem que só se realizará plenamente
quando passar a figura deste mundo. Mas há uma outra, aqui e agora, que por
aquela se configura. Genuína e boa, verídica e doce, a felicidade que anda pelo
mundo é peregrina e esquiva. Ela foge, como para nos dizer que outro deve ser
itinerário de nossa alma, e que lá a encontraremos. Ou como para nos dizer que
ela é a gata borralheira, serva de outro objetivo, de outro pólo mais alto.
Diretamente, não se alcança a felicidade. É uma loucura buscar a felicidade,
perseguir, procurar a felicidade, fazer da felicidade o pólo primordial de
qualquer ato humano. Ela existe, aqui e agora, mas só há um caminho verdadeiro
para chegar onde ela está: o da
generosidade esquecida de si mesma. O egoísta pensa que é tanto mais realista
quanto mais egoísta. Mas é apenas um equivocado inimigo de si mesmo. Terá
prazeres, cada vez mais breves e mais exigentes. Mas não alcança a paz, que só
a generosidade a dedicação podem dar. O mundo moderno, na agonia das estruturas
de egoísmo doutrinariamente construídas, e vividas por quatro séculos de
civilização individualista, procura a paz e a felicidade onde jamais poderá encontra-la.
Só falta aos homens angustiados de nosso tempo descobrir que é no dom de si
mesmos que está o grande segredo da vida.
Não se diga portanto que nossa doutrina sobre o casamento, com sua
acentuação de generosidade social, não toma conhecimento das exigências do amor
humano e dos anseios de felicidade. Subordinando-os ao bem, ao ato generoso, à
doação, à dedicação, ao serviço, nós colocamos o amor e a felicidade nos seus
verdadeiros lugares e, por conseguinte, nós os exaltamos. No fundo, somos nós que
cuidamos verdadeiramente do fim secundário do casamento. Somos nós que
defendemos o real interesse dos cônjuges. Os divorcistas, ao contrário, fazem a
demagogia da felicidade e do amor.
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Fonte: Claro Escuro - Livraria AGIR Editora, 2a. Edição - Coleção Família
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