24 de maio de 2011

Quando Obedecer é Rebeldia

Será que faltamos à obediência prometida na ordenação ou é D. Luciano que nos quer impor uma obediência que não é conforme aos ensinamentos da Igreja?


O grande São Bernardo ensina: “Aquele que faz um erro porque lhe mandam, faz menos um ato de obediência que de rebeldia. Faz uma inversão das coisas: deixa de obedecer a Deus, para obedecer aos homens”. (Cf. Oeuvr Completes de S. Bernard, Charpentier, Tomo I, Episto VII).


No “Jornal do Brasil” de 26/09/83, pg. 9, sob o título “A rebelião dos que prometeram obedecer”, D. Luciano Cabral Duarte, Arcebispo de Aracaju, invectiva incisivamente os 25 padres tradicionalistas de Campos.


I – O arrazoado de D. Luciano vem recheado de invectivas pessoais. Para ele, somos “pretensos defensores da doutrina da Igreja”; atingimos o ponto extremo da “insensibilidade católica”, temos a “pretensão inaudita” de possuir “o monopólio da verdade católica”. Enfim, nós nos emparedamos no “fanatismo”, na “ideologização” como “na torre de marfim” da cegueira e do orgulho, erigindo-nos em donos, regra e medida da verdade.


Se D. Luciano, em vez de, no caso, seguir o exemplo da CNBB, procurasse ouvir-nos antes de nos julgar, queremos crer que sua opinião a nosso respeito seria outra. De fato, tomamos nós a iniciativa do diálogo com o Senhor Bispo e sempre expusemos, por escrito, lógica e serenamente nossa posição. Na única reunião do Clero em que se tratou “ex professo” do assunto, tivemos apenas quinze minutos para falar. Historicamente não consta a existência dos “numerosos encontros de diálogo” do atual Bispo conosco, a que alude D. Luciano. Houve, sim, da parte de nossos opositores uma campanha de acusações gratuitas, apontando-nos como “dilapidadores do patrimônio da Mitra”, “ervas daninhas”, “envenenadores do rebanho”, “subversivos”, etc.


II – As invectivas de D. Luciano contra nós, no campo doutrinário, são igualmente destituídas de fundamento sólido:


1 – D. Luciano afirma que o novo Missal Romano cumpre o que determinou o Concílio Vaticano II: “Os textos e ritos (…) exprimirem mais claramente as realidades sagradas que significam”. Ora, deu-se o contrário: as modificações, introduzidas nos textos e ritos da Santa Missa, após o Vaticano II, foram tão infelizes que provocaram reações, diante das quais a Santa Sé julgou que devia fazer certas revisões. A mais importante delas foi a nova redação do nº 7 da Introdução geral. O caso foi tal, que os bispos ingleses, na época, pediram à Santa Sé para continuar a usar o antigo Missal Romano (“O Globo”, 17/07/1071). D. Luciano nada diz das observações dos Srs. Cardeais Ottaviani e Bacci constantes da carta endereçada a Paulo VI, em que justificavam sua opinião contra a aceitação do Novo missal Romano: “As novas transformações na liturgia só conduzem a uma total desorientação dos fiéis, que já apresentam sinais de indiferença e de diminuição na fé”. E Suas Eminências aduzem “a torturante crise de consciência” de muitos padres, como lhes constava por testemunhos que possuíam “inumeráveis e cotidianos”. A última Carta da S.C. para a Doutrina da Fé, de 6 de agosto deste ano de 1983, confirma a existência de graves desvios doutrinários, surgidos na Igreja após o Concílio Vaticano II, cuja raiz vem a ser a falsa noção de Missa proposta no nº 7 da Institutio generalis (Cf. L’Osservatore Romano, de 11/09/1983, pg: 1 e 3).


2. D. Luciano, citando Henri de Lubac, defensor de Teilhard de Chardin, diz que o uso do vernáculo é um retorno à Tradição. Em outras palavras, a adoção do Latim na Missa durante tantos séculos teria envolvido uma censurável ruptura com a Tradição. Acontece que o Papa Clemente XI condena a firmação de que é uso contrário à Tradição Apostólica e aos desígnios de Deus tirar ao povo simples a consolação de unir sua voz à voz de toda a Igreja (DS 2486). No mesmo sentido se pronunciou Pio VI ao condenar a proposição 66 do Sínodo de Pistóia, proscrevendo a introdução do vernáculo na Liturgia como coisa falsa, temerária, perturbadora da ordem prescrita na celebração dos Mistérios (DS 2666). O Concílio de Trento anatematizou aqueles que dizem que a Missa deve ser celebrada só em língua vernáculo (DS 1759). Como fecho destes testemunhos, verdadeiramente autorizados, da Tradição, o Vaticano II declara que o Latim é o idioma próprio do rito latino, é que os fiéis devem ser levados a dizer e cantar em Latim as partes da Missa que lhes competem (Const. sobre a Liturgia, nº 36 e 54).


3. Sobre nossa posição em face da Missa Nova, D. Luciano se refere apenas a um folheto popular “60 razões porque…”. Não conhecerá a publicação: “A Missa Nova: um caso de consciência”, compilada por nós? D. Luciano parece querer impressionar o público com o seguinte quadro: 25 sacerdotes apenas, contra 3 Papas, 2.500 Bispos, 300.000 sacerdotes que aceitam tranquilamente o novo Ordo. Esta subjacente a afirmação de que a Igreja impõe de maneira definitiva a nova liturgia da Missa. Há um engano. De fato, a carta do Sr. Cardeal Baggio a D. Navarro parecia fechar peremptoriamente a questão: a Santa Sé não faria nenhuma concessão para o uso da Missa Tridentina. Baseado nesta carta D. Navarro fez um decreto impondo o “uso exclusivo” da Liturgia, assim chamada, renovada. Indo a Roma, informou-se melhor, e mudou de linguagem, afirmando o contrário, ao dizer que os padres poderão celebrar a Missa de S. Pio V sob certas condições (Jornal do Brasil, 28/01/83). Ademais é simplificar as coisas dizer que há uma aceitação “unânime, tranquila” e consciente do novo Ordo Missae. Pelas centenas de cartas que recebemos de todo o Brasil verificamos que a perplexidade suscitada pelo novo Ordo perdura na consciência de muitos sacerdotes. No mesmo sentido se expressaram os Cardeais Ottaviani e Bacci. Quanto à carta do Sr. Cardeal Casoria nós a publicamos lealmente, juntamente com a resposta que lhe enviamos, que ficou sem réplica.


4. Em relação ao Concílio, D. Luciano vê nossa atitude como “trágica” e desleal. Desleal, porque somente agora “erguemos a viseira”. É bom que D. Luciano saiba que nunca ocultamos da Santa Sé o que sempre pensamos sobre o Concílio. Agora, forçados pelas circunstâncias, por um dever de consciência, o publicamos. O mesmo zelo que nos levava a calar, agora nos leva a falar. Se há algo de “trágico” é ver o Concílio Vaticano II, em alguns documentos, contradizer os ensinamentos de outros Concílios e do Magistério perene. Agora, está no dever de D. Luciano Cabral mostrar que é falso o confronto que apontamos dos Papas e Concílios anteriores, por nós citados no “Heri et Hodie”, nº 3.


Não somos nós que contraditamos o Concílio Vaticano II, é o Concílio que contradita a doutrina do Magistério tradicional. E a contradição, todo ser inteligente, sobretudo um fiel instruído na doutrina verdadeira, está à altura de perceber. Não podemos, aliás, fugir à responsabilidade de ver e indicar a contradição nesses pontos, pois nenhuma autoridade nos pode eximir dessa responsabilidade (DS 3115).


5. Concordamos com Sua Excelência quando afirma que quem guia a Igreja de Jesus é o Espírito Santo, pela voz do Papa e dos Bispos. Mas a Igreja, no Concílio Vaticano I, já explicou de que maneira: “O Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo Espírito Santo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da Fé, ou seja, a Revelação herdada dos Apóstolos”. (DS 3070).


III – Conclusões e perguntas:


1. Um questão fundamental se impõe: admite D. Luciano uma resistência legítima contra atos de um superior ou até de um Papa? – Pode um Papa favorecer um erro, e até perfilhá-lo, em documento oficial não infalível? – É contra a doutrina responder afirmativamente a essas perguntas?


Respaldados em ensinamentos e exemplos de Papas Santos e Doutores, dos mais autorizados, respondemos que é perfeitamente de acordo com a doutrina católica a resposta afirmativa a essas perguntas. Que diz D. Luciano: cismático, rebelde ou herege quem defende essa tese?


Uma outra questão: a evidência e a lógica mostram que os exacerbamentos do progressismo têm sua inspiração e raízes em reformas oficializadas pela Santa Sé. Exemplo vivo é a noção de Missa constante do nº 7 da Institutio generalis. D. Luciano, ao contrário, parece defender “toucourt” tudo quanto é oficial, condenando os abusos e defendendo todas as inovações. Como explica Sua Excelência que reformas tão boas, quase sempre e em toda parte sejam acompanhadas de frutos tão ruins?


2. D. Luciano diz que a Igreja Católica no Brasil – leia-se CNBB – acompanha “com inquietação” nossa atitude.


É de pasmar que nada inquiete tanto a D. Luciano que a CNBB neste Brasil. Nem os erros contra a fé propagados às escâncaras em edições de Vozes, Paulinas, em revistas como Vida Pastoral (Cf. nº 110, pg. 7-15; nº 112, pg. 17-20, Família Cristã, nº 541, jan. 1981, Ave Maria, 16/4/75, pg. 6).


3. Será que faltamos à obediência prometida na ordenação ou é D. Luciano que nos quer impor uma obediência que não é conforme aos ensinamentos da Igreja?


O grande São Bernardo ensina: “Aquele que faz um erro porque lhe mandam, faz menos um ato de obediência que de rebeldia. Faz uma inversão das coisas: deixa de obedecer a Deus, para obedecer aos homens”. (Cf. Oeuvr Completes de S. Bernard, Charpentier, Tomo I, Episto VII).


Pelos 25 Padres “Tradicionalistas” de Campos


Dom Licínio Rangel


Folha da Manhã, 11.10.83


Retirado de: http://www.fsspx.com.br/exe2/?p=2070

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