22 de julho de 2011

O que ensinam os verdadeiros historiadores sobre as inquisições‏

Jean Guiraud. em sua obra "Inquisition Médievale", Bernard Grasset, Paris. 1923, nos mostra que a perseguição aos hereges já existia mesmo antes da criação da Inquisição.

Dentre os Imperadores alemães, o péssimo Frederico Barbarroxa - que alimentou motins, expulsou o Papa de Roma, zombou das excomunhões e suscitou antipapas - bem como seu neto, Frederico II de Hohenstaufen –– dificilmente igualável em ambição e maldade, ele mesmo excomungado –– foram dos mais aguerridos perseguidores dos hereges.(Cfr. Jean Guiraud. op. cit., pp. 74-76) Foi mesmo este último que, no século XIII, decretou pela primeira vez a morte dos hereges na fogueira.(Lea, A Hislory of the Inquisition in the Middle Ages. I. p. 106, aplld. W. T. Walsh, op. cit., p.54-55.)

Vemos, pois, um Roberto o Piedoso, Rei da França, que, no século XI, solicita insistentemente ao Papa medidas punitivas contra os hereges. Temos ainda, no século XII, Henrique, Arcebispo de Reims e irmão do Rei da França, Luiz VII, que, por instâncias deste último, se apressa a perseguir os hereges cátaros (anarquistas e homicídas). São os próprios hereges que apelam ao Papa e dão motivo a uma carta de Alexandre III ao Arcebispo de Reims, recomendando-lhe doçura e clemência para com aqueles.

Entre as práticas realizadas pelos hegeres, temos aqui algumas palavras do Papa Gregório IX:

"Estando os brabanções, aragoneses, navarros, bascos, coteraux e triaverdinos exercendo tã o grandes crueldades sobre os cristãos, não respeitando nem igrejas nem mosteiros e não poupando viúvas, órfãos, velhos e crianças, não tendo consideração nem para a idade nem para o sexo, mas derrubando e devastando tudo como pagãos, ordenamos a todos os fiéis, pela remissão de seus pecados, que se oponham corajosamente a essas selvagerias e defendam os cristãos contra esses infelizes

São esses hereges acusados de exercer devastações nas regiões que ocupam, e se Alexandre III ordena contra eles uma cruzada, é para remediar grandes desastres, ut tantis claudibus re viribiliter opponant." (Decreto de Gregório IX, v. VII, 8).

Segundo Jean-Baptiste Guiraud, que é um dos mais abalizados historiadores da Inquisição, o exame das doutrinas heterodoxas dos séculos XI e XII e a enumeração das perturbações que elas provocaram demonstra:

1) Que depois do ano mil a heresia deixa de ser uma opinião puramente teológica, destinada a ser discutida no recinto das escolas, mas se transforma cada vez mais em doutrinas anti-sociais e anárquicas, em oposição não somente com a ordem social da Idade Média , mas ainda com a ordem social de todos os tempos.

2) Que essas doutrinas anarquistas provocaram movimentos subversivos e perturbações profundas no seio do povo, e que assim a heresia que as informava se transformou num perigo público.

3) Que, desde então, a autoridade temporal teve tanto interesse quanto a autoridade espiritual em combater e em destruir a heresia.

4) Que essas duas autoridades, depois de haver agido separadamente durante muito tempo — o Estado pelas condenações de seus tribunais à forca e à fogueira, e a Igreja pela excomunhão e pelas censuras eclesiásticas — acabaram por unir seus esforços em uma ação comum contra a heresia.

5) Que essa ação conjunta inspirou as decisões do Concílio de Latrão em 1179 e do Concílio de Verona em 1184.

Mas, quem eram estes hereges? O que faziam? Como se dava o processo?

Em tempo, trazemos aqui as palavras da historiadora francesa Régine Pernoud.

Diz ela em seu “Lumière Au Moyen Age” no capítulo sobre a Igreja na Idade Média (leiam com atenção):

"Não deixa de ter interesse, estudando a Igreja na Idade Média, consagrar alguma atenção às características da fé medieval, sobre a qual muitos juízos errôneos foram feitos. Vemos facilmente nela uma época de «fé ingênua», de «fé do carvoeiro», em que se aceitam em bloco e cegamente preceitos e prescrições eclesiásticos, em que o Inferno mantém no pavor populações crédulas, e por isso mais facilmente exploradas, em que, enfim, o rigor das disciplinas e o medo do pecado excluem todo o prazer temporal.

Com efeito, é na Idade Média que se elaborou uma das mais vastas e audaciosas sínteses que a história da filosofia conheceu. Esta conciliação entre a sabedoria antiga e o dogma cristão, desembocando nas grandes obras dos teólogos do século XIII, não representa, posta de lado qualquer preocupação de ordem religiosa, um magnífico esforço do espírito? A questão dos Universais, as discussões sobre o nominalismo ou o iluminismo, que apaixonaram o mundo pensante de então, testemunham a intensa atividade intelectual de que as Universidades, a de Paris, a de Oxford e outras, eram o centro. As discussões a que assistimos, entre teólogos, as disputas de um Abelardo ou de um Siger de Brabant, ardentemente seguidas e discutidas pela juventude das escolas, não são a prova de que, nestas matérias, mais (talvez do que em quaisquer outras), o sentido crítico tinha oportunidade de se exercer? Quando, depois do assassinato do núncio Pierre de Castelnau, foi decidida a Cruzada dos Albigenses, haviam decorrido mais de vinte anos de discussões entre os enviados de Roma e os defensores do catarismo: poderemos concluir daí que a fé não era discutida? Parece, pelo contrário, que a religião, tal como era então compreendida, preocupava tanto a inteligência quanto o coração e que se não deixou de nela aprofundar os diferentes aspectos."

Depois de superada a idéia do obscurantismo e da intolerância medieval, podemos elucidar o que eram as heresias medievais e o que estas causavam para sociedade. Claro, com ajuda de mais autores.

O Dr. Romam Konick diz que: "Na Idade Média, os problemas criminais, civis e religiosos se interpenetravam. Lendo os autos dos processos inquisitoriais, mais de uma vez encontramos bandidos comuns que, surpreendidos pela polícia no ato de violação, de roubo, de assalto à mão armada, rapidamente inventavam uma motivação religiosa para explicar o seu procedimento. Por quê? Simplesmente para cair na esfera da justiça da Inquisição e não da justiça civil ou temporal. Pois a justiça inquisitorial garantia pelo menos uma investigação, em vez da pena de fogueira imediata, a qual — como a pena de morte ou o decepamento da mão — não foi absolutamente invenção dos inquisidores."

Quem eram os Cátaros?

Podemos dizer que eles foram os primeiros pregadores da “Sola Scriptura”. Jean Louis Biget, professor emérito da Escola Normal Superior de Fontenay-Saint-Cloud, define o Catarismo como “evangelismo radical transmutado em dualismo”.

Constituíam uma “Igreja” menos hierarquizada, dizendo estarem voltando aos tempos apostólicos, “que tinham tudo em comum”. Citemos agora Histoire de l’Inquisition au Moyen-Age, I, pág. 108:

"Aliás, quando um homem estava moribundo, seus parentes acreditavam cumprir um dever de caridade acelerando seu fim [...]. Se o Catarismo se houvesse tornado dominante, ou pelo menos igual ao Catolicismo, não há dúvida de que sua influência teria sido desastrosa" (pág. 121).

João Bernardino Gonzaga em “A Inquisição em seu mundo”, retrata: "A Inquisição nunca foi um tribunal meramente eclesiástico; sempre teve a participação (e participação de vulto crescente) do poder régio, pois os assuntos religiosos eram, na Antiguidade e na Idade Média, assuntos de interesse do Estado; a repressão das heresias (especialmente dos cátaros, que pilhavam e saqueavam as fazendas)" (Pág 9).

Promoviam o aborto, acreditando ser melhor uma criança não nascer neste "vale de lagrimas", e ir assim diretamente para o Céu. Grupos de hereges revoltosos atraíam os pobres para suas fileiras, sob a promessa de que, roubando aos ricos, contribuíam para criar uma igreja nova, na qual as chances seriam iguais para todos. Isso não era uma contravenção estritamente religiosa, razão pela qual muitas vezes, após o julgamento e definição do grau de heresia, os rebeldes eram entregues ao braço civil para que se procedesse ao devido processo penal que dizia respeito a questões criminais: roubo ou violação.

Mais claro ainda nos diz o nosso amigo T. Walsh:

"Assim a inquisição punia os bígamos, os ladrões de Igrejas, blasfemadores, os padres que se casavam, os que seduziam as mulheres e as incitavam a não confessarem os seus erros; os fabricantes de filtros de amor, os carcereiros que violavam nas prisões as mulheres inculpadas, os pretensos santos e místicos, e de um modo geral 'todos os que especulavam contra a credulidade pública.'" (W. Th. WALSH. Personajes de la Inquisición, Madrid, 1948, pp. 218-219)
E agora, o que mais falta? Vamos falar dos mortos!

“Em comparação com a crueldade e as mutilações que eram normais nos tribunais seculares, a Inquisição se mostra sob uma luz relativamente favorável; este fato, em conjunção com o usual bom nível da condição de seus cárceres, nos faz considerar que o tribunal teve pouco interesse pela crueldade e que tratou de temperar a justiça com a misericórdia.” (Henry Kamen, La Inquisición Española: una revisión histórica. Barcelona: Crítica, 2004, p. 187)

“As fontes históricas demonstram muito claramente que a Inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da tortura “relativamente pouco frequente e geralmente moderado, era o recurso à pena capital, excepcional depois do ano 1500″. O fato é que os inquisidores não acreditavam na eficácia da tortura. Os manuais para inquisidores convidavam a que se desconfiasse dela, porque os fracos, sob tortura, confessariam qualquer coisa, e nela os “duros” teriam persistido facilmente. Ora, porque quem resistia à tortura sem confessar era automaticamente solto, vai de si que como meio de prova a tortura era pouco útil. Não só. A confissão obtida sob tortura devia ser confirmada por escrito pelo imputado posteriormente, sem tortura (somente assim as eventuais admissões de culpa podiam ser levadas a juízo). (Rino Camilleri,.La Vera Storia dell ´Inquisizione, Ed Piemme, Casale Monferrato, 2.001, p.p. 46-47).

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