8 de novembro de 2011

O elefante branco; o demônio e seus cúmplices


(- 1863 AD)

Não tendo podido dar (São) João Dom Bosco o presente do último dia do ano a todos seus alunos, por não encontrar-se em casa, ao retornar do Borgo Cornalese, no dia quatro de janeiro, que era domingo, prometeu-lhes que o daria na noite da festa da Epifanía.



Era, pois, em 6 de janeiro de 1863 e todos os jovens, artesãos e estudantes, reunidos no mesmo lugar, esperavam com ansiedade o suspirado presente.

Rezadas as orações, o bom pai subiu a sua tribuna e começou a dizer assim:

"Esta é a noite do presente. Todos os anos quando se aproximam as festas de Natal estou acostumado a dirigir ao Senhor orações especiais, para que me inspire algum presente, que possa servir para seu bem espiritual.
Mas este ano redobrei minhas súplicas, posto que o número dos jovens que me escutam é muito major. Passou, entretanto, o último dia do ano, chegou na quinta-feira, na sexta-feira, e... nada de novo.
Na noite da sexta-feira fui deitar-me, cansado das fadigas do dia, mas não pude pegar um olho em toda ela, de forma que pela manhã encontrava-me meio morto de cansaço. Não perdi a serenidade por isso, antes bem, alegrei-me, pois sabia que quando o Senhor vai-me manifestar algo, estou acostumado a passar muito mal à noite precedente.
Continuei minhas ocupações no Borgo Cornalese e na noite do sábado cheguei entre vós. Depois de confessar fui a dormir, e devido ao cansaço motivado pelas conversas e pelas confissões do Borgo e por quão pouquíssimo tinha descansado nas noites precedentes, fiquei dormido. E aqui começa o sonho que me tem que servir para dar-lhes o presente. 
Meus queridos jovens: Sonhei que era dia festivo, era a hora do recreio depois do almoço e que se divertiam de mil maneiras. Pareceu-me encontrar-me em minha habitação com o cavalheiro Vallauri, professor de belas letras. Tínhamos falado de alguns temas literários e de outras coisas relacionadas com a religião; de repente ouço a porta o tac-tac de alguém que chama.
Corro a abrir; era minha mãe, morta fazia seis anos, que me diz assustada:
— Vêem ver, vêem ver.
— O que há?, — perguntei-lhe —.
Sem mais conduziu-me ao balcão e eis aqui que vejo no pátio em meio dos jovens um elefante de colossal tamanho.
— Mas como pode ser isso?, — exclamei —. Vamos, vamos!
E cheio de pavor olhava ao cavalheiro Vallauri e este a mim como se nos perguntássemos a causa da presença daquela besta descomunal em meio dos moços. Sem perda de tempo baixamos os três ao pátio.
Muitos de Vós, como é natural, aproximaram-se para ver o elefante. Este parecia de índole dócil; divertia-se brincando de correr com os jovens; acariciava-os com a tromba; era tão inteligente, que obedecia aos mandatos de seus pequenos amigos como se tivesse sido amestrado e domesticado no Oratório desde seus primeiros anos, de forma que numerosos jovens acariciavam-lhe com toda confiança e seguiam-lhe em qualquer parte.
Mas não todos estavam ao redor daquela besta. Logo vi que a maior parte fugiam assustados de uma parte a outra procurando um lugar de refúgio, e que ao fim entravam na igreja.
Eu também tentei penetrar nela pela porta que comunica com o pátio, mas ao passar junto à estátua da Virgem, perto da fonte, toquei a extremidade do manto de Nossa Senhora para invocar seu patrocínio, e então Ela levantou o braço direito. Vallauri quis me imitar fazendo o mesmo pela outra parte e a Virgem levantou o braço esquerdo.
Eu estava surpreso sem saber-me explicar um fato tão estranho.
Chegou enquanto isso a hora das funções sagradas e dirigiram-se todos à igreja. Também eu entrei nela e vi o elefante de pé ao fundo do templo perto da porta.
Cantaram-se as Vésperas e depois das orações dirigi-me ao altar acompanhado de Dom Alasonatti e de Dom Savio para dar a bênção com o Santíssimo Sacramento. Mas no momento solene em que todos estavam profundamente inclinados para adorar ao Santo dos Santos, vi, sempre ao fundo da igreja no centro do corredor, entre as duas fileiras dos bancos, ao elefante ajoelhado e inclinado, mas em sentido inverso, isto é, com a tromba e as presas voltadas em direção à porta principal.
Terminada a função, quis sair imediatamente ao pátio para ver o que acontecia; mas como tive que atender na sacristia a alguém que me queria comunicar uma notícia, tive que me deter um pouco.
Mas eis aqui que pouco depois encontro-me sob os pórticos enquanto vocês reatavam no pátio seus jogos. O elefante, ao sair da igreja, dirigiu-se ao segundo pátio, ao redor do qual estão os edifícios em obra. Tenham presente esta circunstância, pois naquele pátio teve lugar a cena desagradável que vou contar-lhes seguidamente.
De pronto vi aparecer lá ao final do pátio um estandarte no qual via-se escrito, com caracteres cubitales: Sancta María, succurre míseris (SantaMaria, socorrei os pecadores). Os jovens formavam-se detrás processionalmente.
De pronto e sem que ninguém o esperasse, vi o elefante que ao princípio parecia tão manso, jogar-se contra os circunstantes dando furiosos mugidos e colhendo com a tromba aos que estavam mais próximos a ele, levantava-os em alto, jogava-os no chão, pisoteando-os e fazendo um estrago horrível. Mas apesar disso, os que tinham sido maltratados dessa maneira não morriam, mas sim ficavam em estado de poder sanar das feridas espantosas que produziram-lhes os ataques da besta.
A dispersão então foi general: uns gritavam; outros choravam; outros, ao ver-se feridos pediam auxílio aos companheiros, enquanto, coisa verdadeiramente inqualificável, alguns jovens aos que a besta não tinha feito mal algum, em lugar de ajudar e socorrer aos feridos, faziam um pacto com o elefante para proporcionar-lhe novas vítimas.
Enquanto aconteciam estas coisas (eu encontrava-me no segundo arco do pórtico junto à fonte), aquela pequena estatua que vêem lá ((São) João Dom Bosco indicava a estátua da Santíssima Virgem) animou-se e aumentou de tamanho; converteu-se em uma pessoa de elevada estatura, levantou os braços e abriu o manto, no qual se viam bordadas, com deliciosa arte, numerosas inscrições.
O manto alcançou tais proporções que chegou a cobrir a todos os que iam a guarnecer-se debaixo dele: ali todos encontravam-se seguros. Os primeiros em ir a tal refúgio foram os jovens melhores, que formavam um grupo escolhido, mas ao ver a Santíssima Virgem que muitos não se apressavam a ir a Ela, chamava-os em alta voz:
— Venite ad me omnes! (Venham a mim)
E eis aqui que a multidão dos jovens seguia afluindo ao amparo daquele manto, que estendia-se cada vez mais e mais.
Alguns, em troca, em vez de acolher-se a ele, corriam de uma parte outra, resultando feridos antes de ficar seguros. A Santíssima Virgem, angustiada, com o rosto aceso, continuava chamando, mas cada vez eram mais estranhos os que iam a Ela.
O elefante prosseguia causando estragos, e alguns jovens, dirigindo uma e duas espadas, situando-se em uma e outra parte, dificultavam aos companheiros que se encontravam no pátio, ameaçando-os ou impedindo-lhes que acudissem a Maria. Aos das espadas o elefante não os incomodava o mais mínimo.
Alguns dos moços que se refugiaram perto da Virgem animados por Ela começaram a fazer freqüentes correrias; e em suas saídas conseguiam arrebatar ao elefante alguma presa, e transportavam ao ferido sob o manto da estátua misteriosa, ficando os tais imediatamente sãos.
Depois, os emissários da Maria voltavam a empreender novas conquistas. Vários deles, armados com paus, afastavam à besta de suas vítimas, mantendo a raia aos cúmplices da mesma. E não cessaram em seu empenho até a costa da própria vida, conseguindo pôr a salvo a quase todos.
O pátio aparecia já deserto. Alguns moços estavam tendidos no chão, quase mortos. Para uma parte, junto aos pórticos, via-se uma multidão de jovens sob o manto da Virgem. Em outra, a certa distância, estava o elefante com dez ou doze moços que tinham-lhe ajudado em seu trabalho destruidor, esgrimindo ainda insolentemente em tom ameaçador suas espadas.
Quando eis aqui que o animal, erguendo-se sobre as patas posteriores, converteu-se em um horrível fantasma de compridos chifres; e tomando um amplo manto negro ou uma rede, envolveu nela a aqueles miseráveis que tinham-lhe ajudado, dando ao mesmo tempo um tremendo rugido. Seguidamente os envolveu a todos em uma espessa fumaça e abrindo-se a terra sob seus pés desapareceram com o monstro.
Ao finalizar esta horrível cena olhei a meu redor para dizer algo a minha mãe e ao cavalheiro Vallauri, mas não os vi.
Voltei-me então para Maria Santíssima, desejoso de ler as inscrições bordadas em seu manto, e vi que algumas estavam tomadas literalmente das Sagradas Escrituras, e outras um pouco modificadas. Li estas entre outras muitas:
Qui elucidant me, vitam aetemam habebunt: qui me invenerit, inveniet vitam; se quis est parvulus veniat ad me; refugium peccatorum; salus credentium; plena omnis pietatis, mansetúdinis et misericordiae. Beati qui custodiunt vias mas.
Depois do desaparecimento do elefante todo ficou tranqüilo. A Virgem parecia como cansada por seu muito chamar. Depois de um breve silêncio dirigiu aos jovens a palavra, dizendo-lhes belas frases de consolo e de esperança; repetindo a mesma sentença que vêem baixo aquele nicho, mandadas escrever por mim: Qui elucidant me, vitam aetemam habebunt. Depois disse:
— Vós que escutastes minha voz e escapastes dos estragos do demônio, viram e puderam observar a seus companheiros pervertidos. Querem saber qual foi a causa de sua perdição? Sunt colloquia prava: as más conversações contra a pureza, as más ações a que se entregaram depois das conversações inconvenientes.
Viram também a seus companheiros armados de espadas: são os que procuram sua ruína afastando-os de Mim; os que foram a causa da perdição de muitos de seus condiscípulos. Mas quos diutius expectat durius damnat. Aqueles aos quais espera Deus durante mais comprido tempo, são depois mais severamente castigados; e aquele demônio infernal, depois de envolvê-los em suas redes, levou-os consigo à perdição eterna.
Agora vocês, partam tranqüilos, mas não esqueçam minhas palavras: Fujam dos companheiros que são amigos de Satanás; evitem as conversações más, especialmente contra a pureza; ponham em Mim uma ilimitada confiança, e meu manto servir-lhes-á sempre de refugio seguro.
Depois destas e de outras palavras semelhantes, esfumou-se e nada ficou no lugar que antes ocupava, à exceção de nossa querida estatua.
Então vi aparecer novamente a minha defunta mãe; outra vez elevou-se o estandarte com a inscrição: Sancta María, succurre míseris. Todos os jovens colocaram-se em ordem detrás dele e assim processionalmente dispostos, entoaram a loa: Elogia a María oh, língua fiel!
Mas logo o canto começou a decair; depois desapareceu todo aquele espetáculo e eu despertei completamente suado. Isto é quanto sonhei.



"Oh meus filhos! Vocês mesmos deduzam o presente: os que estavam sob o manto, os que foram jogados pelos ares, os que dirigiam a espada dar-se-ão conta de sua situação se examinarem suas consciências. Eu somente repetir-lhes-ei as palavras da Santíssima Virgem: Venite ad me, omnes. recorram todos a Ela; em toda sorte de perigos invoquem a Maria, e asseguro-lhes que serão escutados.

Pelo resto, os que foram tão cruelmente maltratados pela besta, façam o propósito de fugir das más conversações, dos maus companheiros; e os que pretendiam afastar a outros de Maria, que troquem de vida ou que abandonem esta casa. Quem deseja saber o lugar que ocupava no sonho, que venha para ver-me a minha habitação e eu o direi. Mas o repito: os ministros de Satanás, que troquem de vida ou que partam. boa noite!"



Estas palavras foram pronunciadas por (São) João Dom Bosco com tal unção e com tal emoção, que os jovens, pensando no sonho, não o deixaram em paz durante mais de uma semana. Pelas manhãs as confissões foram muito numerosas e depois do café da manhã um bom número entrevistou-se com o servo de Deus, para perguntar-lhe o lugar ocupava no sonho misterioso.

Que não se tratava de um sonho, mas sim mas bem de uma visão, tinha-o afirmado indiretamente (São) João Dom Bosco mesmo, ao dizer: "Quando o Senhor quer me manifestar algo, passo..., etc.... Estou acostumado a elevar a Deus especiais preces, para que me ilumine..."

E depois, ao proibir que se brincasse sobre o tema desta narração.

Mas ainda há mais.

Nesta ocasião o mesmo servo de Deus escreveu em um papel os nomes dos alunos que no sonho tinha visto feridos, dos que dirigiam a espada e dos que esgrimiam dois; e ensinou a lista a Dom Celestino Durando, encarregando-lhe de vigiá-los. Dom Durando proporcionou-nos a lista, que temos ante a vista, os feridos são 13, ou seja: os que provavelmente não se refugiaram sob o manto da Virgem; os que dirigiam uma espada eram 17; os que esgrimiam dois, reduziam-se a três. Uma nota ao lado de um nome indica uma mudança de conduta.

Temos que observar também que o sonho, como veremos mais adiante, não se referia somente ao tempo presente, mas também ao futuro.



Sobre a realidade do sonho, os mesmos jovens foram as melhores testemunhas. Um deles dizia: "Não acreditava que (São) João Dom Bosco me conhecesse tão bem; manifestou-me o estado de minha alma, e as tentações a que estou submetido, com tal precisão, que nada poderia acrescentar".

A outros dois jovens, aos quais (São) João Dom Bosco assegurava havê-los visto com a espada, lhes ouviu exclamar: "Ah, sim, é certo; faz tempo que nos demos conta disso; sabíamos!" E trocaram de conduta.

Um dia, depois do café da manhã, falava de seu sonho e depois de ter manifestado que alguns jovens partiriam e outros teriam que fazê-lo, para afastar as espadas da casa, começou a comentar a astúcia dos tais, como ele a chamava; e a propósito disso referiu o seguinte feito:

Um jovem escreveu recentemente a sua casa acusando às pessoas mais dignas do Oratório, como superiores e sacerdotes, de graves calúnias e insultos.

Temendo que (São) João Dom Bosco pudesse ler aquela carta, estudou e encontrou a maneira de que chegasse a mãos de seus parentes sem que ninguém o pudesse impedir. Depois do café da manhã o chamei; apresentou-se em minha habitação e depois de fazer-lhe menção sobre sua falta, perguntei-lhe o motivo que o tinha induzido a escrever tantas mentiras. Ele negou descaradamente o fato; eu o deixei falar, depois, começando pela primeira palavra, repeti-lhe toda a carta.



Confundido e assustado, arrojou-se chorando a meus pés, dizendo:

— Então minha carta não saiu?

— Sim, — respondi —; a esta hora está em sua casa; deves pensar na reparação.

Alguns perguntaram ao (Santo) como o tinha sabido; mas (São) João Dom Bosco respondeu sorrindo com uma evasiva.

Eis aqui o que nos dizem as Memórias Biográficas sobre um dos personagens que intervêm neste sonho: o cavalheiro Vallauri:

Outro personagem ciumento, defensor dos próprios méritos, incapaz de admitir opiniões contrárias às suas, era o célebre Tomas Vallauri, doutor em Belas letras. Parente do defunto médico Vallauri, tinha conhecido no domicílio deste a (São) João Dom Bosco.

O professor tinha feito públicas algumas idéias próprias, algum julgamento, sobre os autores latino-cristãos, injuriando-lhes ao assegurar que, sendo a finalidade dos mesmos o ensino e defesa da religião, tinham descuidado e inclusive adulterado a língua. Este artigo caiu em mãos de (São) João Dom Bosco, o qual estudou a maneira de retificar o critério de seu autor. A ocasião não se fez esperar, tendo vindo o professor Vallauri a lhe visitar, o [Santo] começou a falar-lhe nestes términos:

— Satisfaz-me grandemente o ter chegado a conhecer um escritor, cujo nome é famoso já em toda a Europa e que honra tanto à Igreja com suas obras.

Vallauri, observando o olhar bonachão de (São) João Dom Bosco, interrompeu-lhe dizendo-lhe:

— Quer acaso quer reprender-me?

— Olhe, senhor professor — continuou (São) João Dom Bosco —, apoiando-me em seu critério, quero manifestar-lhe simplesmente meu pensamento: O Sr. sustenta que os autores latino-cristãos não escreveram com elegância suas obras; enquanto que a São Jerónimo o compara por seu modo de escrever com o Tito Livio, a Lactancio com o Cicerón e a outros com o Salustio e com Tácito. (São) João Dom Bosco não acrescentou mais: Vallauri refletiu um pouco e depois acrescentou:

— (São) João Dom Bosco, tem razão; diga-me o que é o que devo corrigir; obedecerei cegamente. É a primeira vez que submeto meu julgamento ao de outro.

E desde aquele dia estava acostumado a repetir ao falar de (São) João Dom Bosco:

— Estes são os sacerdotes que me agradam! Gente sincera!

(M. B. Volume VII, págs. 356-360)

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