18 de maio de 2012

Os Sacrifícios da Antiguidade

Ser-nos-á bom examinar como os povos antigos ofereciam estes sacrifícios cruentos que repugnariam invencivelmente à razão do homem se não lhe tivessem sido impostos por uma justiça superior. Nos ritos, seguidos quase unanimemente, encontraremos um conjunto de símbolos que o homem jamais teria inventado e que somente o sacrifício da cruz podia esclarecer.

Tertuliano chama ao demônio de o falsário deste mundo, "interpolator huius saeculi" . Considerando o mundo um poema maravilhoso, poema que Deus não cessa de escrever um Seu louvor, Ele vê o demônio aplicado a corromper o texto divino deste poema. Contudo, sob o trabalho do falsário, se reencontra o texto original, que tem seu favor a prioridade do tempo.  Daí o famoso adágio do mesmo Tertuliano: "Hoc verum quod prius". "O verdadeiro é o que tem por si a antiguidade".

Este adágio verifica-se nos ritos religiosos dos povos antigos: debaixo de práticas idolátricas ou supersticiosas encontram-se cerimônias duma significação muito profunda. 

Mas houve um povo, a saber, o povo judeu, no qual Deus não permitiu que o demônio fizesse a sua obra de falsário; nele admiramos toda sua ordenação de sacrifícios inteiramente figurativos; e os ensinamentos que deles ressaltam são para nós uma luz para compreendermos toda a antiguidade. 

Preparação dos Sacrifícios

Mostramos acima que os sacrifícios, para serem aprovados por Deus, supõem um sacerdote santo e uma vítima sem defeito. Os antigos e, de modo particular, os judeus, procuravam exprimir  a santidade num sacerdote:

1) tomando um homem que não tinha nenhum defeito corporal;
2) submetendo-o a abluções e unções pelas quais ele era iniciado no sacerdócio, separado do comum dos homens;
3) imponde-lhe o dever de esposar uma virgem e de guardar a continência, ao exercer as funções sagradas, isto é, na semana em que era escalado para exercê-las.

Estas práticas de abluções e de continências eram observadas mesmo entre os pagãos. eis como um poeta bem pouco casto descreve a preparação para um sacrifício:

"Que, neste dia sagrado, repouse a terra e também o trabalhador, que a relha revirada dos arados, assinale a cessação do trabalho! Desatai o jugo dos bois; hoje eles descansam com a cabeça curvada de grinaldas perto das suas manjedouras repletas. Que ninguém se ocupe a não ser para Deus; que nenhuma mulher ouse levar a mão aos seus fusos! Vós, porém, sobretudo, longe daqui, longe dos altares, ó vós que infringiste a lei da continência! A divindade se compraz em quem é casto".

Se o sacerdote dece ser santo, a vítima também deve ser pura e sem defeito; Santo Agostinho acrescenta que ela deve ser tomada das mãos daqueles mesmos por quem é oferecida, e de molde a poder ocupar o lugar deles.

Os antigos, para aproximar-se do modelo eterno dum verdadeira sacrifício, tomavam geralmente por vítimas os animais domésticos mais preciosos para o homem, como o boi, a cabra e o cordeiro. Havia uma categoria de animais impuros que eles rejeitavam. Queriam que o animal estivesse na força da juventude, sem mácula nem defeito. É uma das censuras que Deus faz aos judeus, a de não temerem levar aos altares animais de refugo (Ml.1). 

Entre os romanos, a vítima era apresentada aos sacerdotes, que a examinavam cuidadosamente. eles a queriam branca como a neve. Uma vez escolhida, "optata", ela era engrinaldada e coroada. "Os sacrificadores, diz Luciano, coroam o animal, depois de tê-lo longamente examinado e reconhecido como perfeito, nada querendo imolar que não seja digno da divindade, depois conduziam a vítima ao altar".

São dignas de nota estas últimas palavras. Era preciso que a vítima lá chegasse de bom grado! Ela era amarrada; daí provem o nome de vítima, (de "vincta"). Todavia não se usava coação para levá-la. "As vítimas, diz Cícero, eram conduzidas, não arrastadas": "ducebantur, non trahebantur victimae". Observou-se, diz Macróbio, que os sacrificadores devolviam a hóstia, "quando ela fazia uma grande resistência ao altar; se, pelo contrário, ela se apresentava sem constrangimento, eles a julgavam agradável à divindade".

Trazida assim ao lugar do sacrifício, era preciso que a vítima represntasse aqueles que a ofereciam. Vinham também eles impor-lhes as mãos. Com esta cerimônia misteriosa carregavam-na com os seus pecados, punham-na no lugar deles e a destinavam para Deus. "Então, diz o Levítico, a vítima se tornava agrdável a Deus, e servia para a expiação dos pecados de quem a oferecia". (Lev. 1,14). Este rito era geralmente empregado mesmo entre os pagãos. Parece que, ainda hoje na Índia, quando uma família oferece um sacrifício, todos os seus membros, até as crianças pequenas, vêm sucessivamente fazer a imposição das mãos sobre a cabeça da vítima. 

Quando Deus escolheu a tribo de Levi para destiná-la ao ministério do altar, deu-se uma cerimônia das mais comoventes. Moisés fez os levitas aproximarem-se to Tabernáculo da Aliança, no meio da Assembléia dos filhos de Israel; estes então impuseram as mãos sobre a cabeça daqueles e Aarão ofereceu os levitas como um presente que os filhos de Israel faziam ao Senhor, a fim de que eles fosse consagrados ao Seu serviço. Depois, os levitas, por sua vez, impuseram as mãos sobre os bois destinados a ser oferecidos quer em holocausto, quer em sacrifício pelo pecado (Num. 8). Assim os levitas eram a vítima do povo; e eles próprios transferiam o seu papel de vítima para animais irracionais. Estes sacerdotes-vítimas era uma imagem bem impressionante do Homem-Deus; contudo, animais irracionais não eram uma vítima digna de Deus, nem mesmo do homem.

É preciso, com efeito, votar sempre à palavra de S. Paulo: "É impossível que o sangue dos cabritos e dos touros apague os pecados". Por mais que o homem tentasse escolher bem, para ocupar o seu lugar, os próprios animais de que se alimentava, era preciso um homem que respondesse pelo homem. 

A humanidade bem o sentia; os infelizes idólatras, impelidos por um instinto diabólico, não hesitavam em imoral vítimas humanas. Mas o seu sangue, muito longe de aplacar a Deus, causava-Lhe horror. 

Assistimos à preparação dos sacrifícios; sigamos os seus ritos misteriosos. 

Cerimônias dos sacrifícios

Para compreender bem as cerimônias dos sacrifícios, é preciso saber que o s judeus tinham três tipos de sacrifícios cruentos: o holocausto, inteiramente consumido em honra de Deus; o sacrifício pelo pecado ou expiatório, do qual um parte era consumida, a outra comida pelos sacerdotes; o o sacrifício pacífico, do qual uma parte se queimava, a outra era comida pelos sacerdotes, e a terceira comida pelos que ofereciam a vítima. 

Os holocaustos e as hóstias pacíficas eram sempre acompanhadas de oferendas e libações; ou seja, com a vítima ofereciam-se flor de farinha, sal, óleo, incenso e vinho. O óleo era derramado sobre a farinha, que formava assim uma pasta temperada com sal; o sacerdote queimava um punhado dela sobre o altar com o incenso. Quanto ao vinho, o historiador Josefo nos afirma que ele era derramado em torno do altar. Eram como os prelúdios do sacrifício. A ideia mestra disso era a necessidade de oferecer a Deus uma refeição completa, onde entrassem o pão e o vinho. 

Os pagãos, notadamente os romanos, tinham cerimônias semelhantes. Começavam por derramar o vinho entre os cifres da vítima, ao que chamava libação. São Paulo faz alusão a este costume ao dizer: "Sou como uma vítima que recebeu a libação: ego iam delibor". Depois eles espalhavam igualmente sobre a cabeça da vítima migalhas duma pasta salgada, denominada "mola". Plínio diz a respeito: "O sal goza dum grande favor nos sacrifício, pois nenhum se consuma sem a aspersão duma parte salgada." Antes dele dissera a Sagrada Escritura: "Toda a vítima seja temperada com sal!" Esta última cerimônia chamava-se imolação; e como imediatamente depois se degolava a vítima, a própria degolação chamou-se imolação. 

A vítima estava então imolada. Aqui se apresenta um rito universal: o sangue era derramado em honra de Deus, ao redor do altar. Algumas vezes, nos sacrifícios muito solenes, havia aspersão do povo com o sangue: o que São Paulo salienta magnificamente até exclamar: "Absolutamente nenhuma remissão para o pecado, sem efusão de sangue!"

Após a degolação da vítima, os sacerdotes dela partilhavam, a menos que não devesse ser inteiramente consumida. Reservavam para o fogo do altar a gordura e as partes mais delicadas. Aquelo que o fogo consumia julgava-se agradar a Deus em odor de suavidade, pois, conforme a Escritura, Ele é um fogo consumidor. quanto ao resto da vítima, cabia, quer somente aos sacerdotes, quer a estes e aos que ofereciam o sacrifício; neste caso, entre os judeus, os sacerdotes guardavam para si o peito e a espádua direita. 

Estas duas partes serviam para umas cerimônias misteriosas, que se chamavam elevação e agitação. A primeira consistia em elevar a hóstia para oferecê-la a Deus; a segunda em deslocar sucessivamente a vítima no sentido dos quatro pontos cardeais, o que equivalia a traçar um cruz. Pela elevação se queria obter o olhar favorável de Deus sobre a vítima, e pela agitação, espelhar, por assim dizer, a sua virtude expiadora pelos quatros cantos do mundo. Quando Moisés ofereceu ao Senhor os levitas como vítimas, eles foram submetidos à cerimônia de agitação, que consistiu, sem dúvida, em fazê-los executar, em volta do Tabernáculo, certos movimentos de cruz. Não sabemos se os pagãos conheciam este rito misterioso. É certo que também estes atribuíam uma virtude à cruz, pois um deles disse que a "virtude de deus se difunda sobre o mundo em forma de Cruz".

A cerimônia que, nos sacrifícios romanos, correspondia à elevação e à agitação, se chamava "redditio", consistia em oferecer à divindade as entranhas da vítima, que haviam sido cuidadosamente examinadas. 

Depois destes ritos, o sacrifício estava completo. Os romanos tinham então o que se chamavam a "litatio", que corresponde exatamente ao nosso "Ite, Missa est". Tendo os sacrificadores lavado as mãos, um deles exclamava em alta voz: "Podeis sair do templo: ire licet ex templo."

Estava então acabado o que se referia ao templo. Mas quando a vítima não tinha sito totalmente consumida, os sacerdotes, comiam os seus restos; e, em certos sacrifícios, como os sacrifícios pacíficos dos judeus, os sacrificadores tinham as suas porções, as quais deviam comer num breve prazo. Às vezes, sobretudo entre os pagãos, era nos próprios lugares consagrados à divindade, templos ou bosques sagrados, que se faziam estes repastos. Mas ai! Pensa-se com razão que as regras da temperança não eram escrupulosamente observadas! Como quer que seja, não fica por isso menos assente que, para os povos antigos, a manducação da vítima era o complemento e como que o último ato do sacrifício. 

Fonte: O Sacrifício Eucarístico - Pe. Emmanuel André. 

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