22 de setembro de 2012

O Fim do Senhor

Por São Máximo, o confessor.

Disse o irmão: 

- Desejo, pai, conhecer qual era o fim do Senhor.

Respondeu o ancião:

- Se queres conhecer o fim do Senhor, escuta com inteligência: Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo Deus por natureza, dignou-se fazer-se homem por amor ao homem, [1] e nasceu de uma mulher e sob a lei, segundo diz o divino Apóstolo, [2] para que o homem, observando o mandamento, anulasse a antiga maldição de Adão. Sabendo o Senhor que toda a lei e os profetas pendem dos dois preceitos da lei: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e ao próximo como a ti mesmo, [3] esforçou-se do início ao fim por observá-los humanamente. E aquele que no princípio enganou o homem e teve por isso o império de morte, ou seja, o diabo, vendo àquele de quem o Pai dá testemunho no batismo, e que, recebendo do céu, enquanto homem, o Espírito Santo conatural a Ele, foi ao deserto ser tentado por ele, concentrou contra Ele todo o seu combate, como se O pudesse fazer antepor a matéria do mundo ao amor a Deus. E, sabendo o diabo que há três coisas por que a humanidade toda é turbada, a saber: o alimento, as riquezas e a honra, mediante as quais sempre levou os homens aos abismos da perdição, nessas três coisas O tentou no deserto. Nosso Senhor, no entanto, manifestando ser mais forte que elas, ordenou ao demônio que se retirasse.

É este o sinal do amor de Deus. E, sem ter podido persuadi-Lo, mediante o que Lhe prometera, a transgredir o mandamento deste amor de Deus, esforçou-se o diabo, obrando por intermédio dos ímpios Judeus, para que, retornado do deserto, transgredisse Ele o mandamento do amor ao próximo. 

Por esse motivo, enquanto ensinava os caminhos da vida e mostrava com o seu próprio exemplo um modo celestial de viver, e anunciava a ressurreição dos mortos, e a vida eterna, e o reino dos céus prometido aos crentes, e ameaçava os incrédulos com o castigo eterno, e, mostrando magníficos sinais divinos para confirmar o dito, chamava as multidões à fé, o demônio moveu os ímpios fariseus e escribas, que urdiam várias maquinações contra Ele, a fim de que, sem poder suportar as provações, como pensava ele, se voltasse com ódio contra os que O insidiavam. Dessa maneira alcançaria o malvado o seu fim, tendo-O induzido a transgredir o mandamento do amor ao próximo. 

O Senhor, contudo, conhecendo os pensamentos do diabo, porque era Deus, não odiou aos fariseus instigados por aquele - e como o poderia, sendo por natureza bom? - senão que, mediante o amor por eles, se vingava de quem os instigava. E àqueles que, sendo instigados contra Ele, conquanto capazes de resistir, tinham suportado por vileza, voluntariamente, quem os instigava, admoestava-os, condenava e repreendia Ele, não cessando de obrar o bem. Blasfemando , perseverava com magnanimidade; sofrendo, suportava, mostrando todas as obras do amor por eles, ao passo que com o amor pelos instigados se vingava do instigador. Oh! combate paradoxal! - mostra amor em vez de ódio e repele com a bondade o pai da maldade. Por isso, tendo sofrido tais males por causa daqueles, lutou humanamente até à morte pelo mandamento do amor, e, alcançada uma perfeita vitória sobre o diabo, cingiu-Se a Si, por nós, a coroa da ressurreição. E assim o novo Adão renovou o antigo. É isto o que diz o divino Apóstolo: Tende entre vós os mesmos sentimentos que houve em Jesus Cristo [4] etc.

Era este o fim do Senhor: feito homem em nosso benefício, obedeceu ao Pai até à morte, guardando o mandamento do amor. E vingou-se do diabo, sofrendo-o mediante os escribas e fariseus instigados por ele. E, assim, deixando-se vencer voluntariamente, venceu àquele que esperava vencer e arrancou o mundo do seu domínio. Desse modo, Cristo foi crucificado por sua fraqueza, [5] e mediante esta fraqueza matou a morte e destruiu aquele que tinha o império da morte [6]. Igualmente, Paulo era fraco, e gloriava-se nas suas mesmas fraquezas para que repousasse nele a força de Cristo [7]. 

Conhecendo o mode desta vitória, dizia [Paulo], ao escrever aos Efésios: Porque nós não temos de lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados e potestades [do inferno] [8] etc. A todos os que mantêm a guerra contra os inimigos invisíveis, exorta-os a revestir-se com a armadura da justiça, com o elmo da esperança, com o escudo da fé e com a espada do espírito, [9] para que possam extinguir todos os dardos flamejantes do malvado. E, mostrando como o exemplo o modo de lutar, dizia: Quando a mim, corro, não como à ventura; combato, não como quem açoita o ar; mas castigo o meu corpo, e o reduzo à escravidão, para que não suceda que, tendo pregado aos outros, eu mesmo venha a ser réprobo. [10] E ainda: Até esta hora sofremos fome e a sede, e estamos nus, e somos esbofeteados. [11] E disse também: [...] no trabalho e na fadiga, em muitas vigílias, na fome e na sede, em muitos jejuns, no frio e na nudez. [12]

Combateu este combate contra os demônios que excitam os prazeres carnais, valendo-se da fraqueza da sua própria carne para pô-los em fuga. Para os demônios que lutam por fomentar o ódio, todavia, e que para este fim excitam os negligentes contra os piedosos, para que, tentados por aqueles, os odeiem estes e transgridam, assim, o mandamento do amor, novamente, mostrando-nos a maneira de vencer com as obras, diz: E cansamo-nos a trabalhar por nossas próprias mãos; amaldiçoam-nos, e bendizemos; perseguem-nos e o sofremos [com paciência]; somos blasfemados, e rogamos; temos sido como a imundície deste mundo, a escória de todos até agora. [13]

Eram os demônios quem sugeria que o injuriassem, blasfemassem e perseguissem, para movê-lo a odiar os que o injuriavam, blasfemavam ou perseguiam, tendo por fim que transgredisse o mandamento do amor. O Apóstolo, no entanto, não lhes desconhecendo o pensamento, bendizia os que o injuriavam, suportava os que o perseguiam, e aos que blasfemavam exortava-os a afastar-se dos demônios que os instigavam e reconciliar-se com o bom Deus. E por este tipo de vitória vencia os instigadores, vencendo sempre o mal com o bem, [14] à imitação do Salvador. Assim ele e os demais apóstolos reconciliaram o mundo com Deus, livrando-os dos demônios, e vencendo mediante a própria derrota os que esperavam vencer. 

Se também tu, irmão, alcançares este fim, poderás amar os que te odeiam; de modo contrário, é impossível.

______
[1] "Amor ao homem" traduz, aqui, o grego philanthropía.
[2] Cl, 4,4.
[3] Mt, 22, 37-40.
[4] Flp, 2, 5.
[5] II Co, 13, 4.
[6] Hb, 2, 14.
[7] II Co, 12, 9.
[8] Ef, 6, 12.
[9] Ef, 6, 11.
[10] I Co, 9, 26-27.
[11] I Co, 4, 11.
[12] II Co, 11, 27.
[13] I Co, 4, 12-13.
[14] Rm, 12, 21. 

Fonte: Livro: CENTÚRIAS SOBRE A CARIDADE e outros escritos espirituais - São Máximo, o confessor; Diálogo Ascético. Editora: Landy Livraria Editora e Distribuidora Ltda, 2003.  

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