15 de outubro de 2012

Como era forte Zélia Martin, a mãe de Santa Teresinha

Através de tantos altos e baixos de toda a espécie, ao lado do pai de família, em cuja imagem serena e grave havemos de fixar mais tarde, aparece-nos, crescendo e impondo-se cada vez mais, a ideal figura da mãe.

Como não admirar aquela mulher de saúde débil*, precocemente atacada de um mal implacável, atreita às nevralgias, às enxaquecas, à febre, e cujo rosto, como ela mesmo confessava, metia medo em certas ocasiões; que em quatorze anos teve nove filhos, em sessenta e quatro meses seis lutos, sem falar nas doenças de que era a enfermeira efectiva; que juntava aos cuidados da casa a direção de uma manufactura de rendas e que em momentos de afluência de trabalho "estava a pé desde as quatro e meia da manhã até às onze da noite"; que suportou o saque da sua casa e os abalos de uma crise econômica, sem nunca deixar diminuir a confiança nem alterar o bom humor? 

Confessava, é certo, a sua fadiga e de quando em quando lançava um olhar nostálgico para o claustro onde, certo dia, sonhara entrar. Mas a tentação era de pouca dura. Já que embarcara iria até ao fim, fiel aos sentimentos que manifestava ao irmão algumas semanas antes da morte do primeiro filho: 

"Muito sofro eu com este maldito Ponto de Alençon que me aflige mais que tudo. Se bem ganho algum dinheiro, bem o amargo! ... É à custa da minha vida, porque estou bem convencida de que me abrevia os dias; e se Nosso Senhor não me proteger de modo particular, parece-me que não viverei muito tempo. Se não tivesse filhos para criar pouco se me dava, saudaria a morte com alegria, como se sauda a suave e pura aurora dum belo dia.

Penso muitas vezes na minha santa irmã, na sua vida calma e tranquila: ela trabalha, mas só para o Céu, que é o alvo de todos os seus anseios e não para amontoar riquezas perecíveis. E eu então, curvada para a terra, ralo-me extraordinariamente para juntar dinheiro que não hei de levar, nem desejaria levar comigo. Para que o queria eu lá em cima?! 

As vezes ponho-me a lamentar não ter feito como ela, mas logo penso: 'Não teria as minhas quatro meninas, nem o meu lindo Josezinho!' ... Não, mais vale estar onde estou, a sofrer, e tê-los comigo. Contanto que chegue ao Paraíso com o meu querido Luís e que os veja lá todos em melhores lugares do que eu, já me sentirei bem contente e não peço mais nada." [1]

A frase final define-a perfeitamente. Vivia sacrificada à felicidade dos seus. Só no caso de o marido  a preceder no Céu e de ver as filhas todas bem encaminhadas na vida é que poderia acariciar o projeto de acabar os seus dias na Visitação, segundo confiava à Paulina. De momento era a escrava do Lar, "lutz de case", "a luz da casa", como se diz no país do sol. Sacrificava a esse dever primordial o que lhe seria mais agradável - as longas horas de oração - e o que lisonjearia o zelo da sua natureza ardente - as tarefas absorventes do apostolado exterior. 

A sua vida tinha como centro de apoio a confiança e o abandono. As fórmulas em que o exprimia poderiam parecer traçadas pela sua Teresinha: 

"Quando comecei o meu negócio do Ponto de Alençon até adoeci; agora estou muito mais calma, preocupo-me muito menos e resigno-me com todos os acontecimentos desagradáveis que me acontecem e podem acontecer. Digo para comigo que é Nosso Senhor que assim o permite e não penso mais no caso" .[2] " Há dores para todos; os mais felizes pode-se dizer que são simplesmente os menos infelizes; o mais prudente e mais simples em tudo isto é resignarmo-nos com a vontade de Deus e prepararmo-nos antecipadamente para levar a cruz com quanta coragem pudermos". - Nosso Senhor concede-me a graça de não me afligir e sinto-me muito tranquila". - Nosso Senhor, que é bom pai, não manda nunca às suas criaturas mais do que elas podem suportar".

O espetáculo quotidiano duma tal magnanimidade levaria a Maria e a Paulina a afirmar, quando chamadas a depor no Processo de Beatificação e de Canonização da irmã: 

"A nossa mãe era dotada de inteligência superior e de energia extraordinária. As dificuldades não eram nada para ela". Quanto à Visitandina, depois de ter confessado ao irmão o receio de que a sua querida Zélia sucumbisse, fisicamente, sob os choques repetidos de provação, acrescentou: "Ainda assim o que me tranquiliza um pouco é aquele espírito de fé e aquela coragem verdadeiramente incrível e prodigiosa. Que mulher forte! A adversidade não a abate, a prosperidade não a eleva; é admirável!"

A Senhora Martin não se preocupava com todas estas questões. Interiormente tinha o pressentimento do fim próximo. Não lhe passavam despercebidas as preocupações da família por causa dela; mas sobrepunha-se-lhes energicamente. 

"A minha gente acredita que não terei muita vida, escrevia. Faço votos por que se enganem, porque não tenho tempo de morrer. Tenho, por agora, muito em que pensar". E além disso não convinha que, antes da alvorada eterna, se realizasse a intenção profética de Irmã Maria Dositéia, i.é, que surgisse, finalmente, "o grande Santo", prêmio do martírio e obra-prima de mãe? 

[1] Carta da Senhora Martin ao irmão, de 23 de dezembro de 1866.
[2] Carta da Senhora Martin ao irmão, de 14 de fevereiro de 1868. 

Fonte: Livro: História de uma Família, uma escola de Santidade; P. Stéphane-Joseph PIAT, O.F.M. - Livraria Apostolado da Imprensa.  

* A senhora Martin sofria de câncer de mama. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro leitor, o seu comentário está sujeito a moderação. Se sua opinião é contrária a este artigo, seja educado ou seu comentário será apagado.

Em JMJ,
Grupo São Domingos de Gusmão.