19 de novembro de 2010

Irmãos de Jesus‏

A Palavra do Sacerdote



Pergunta:

Segundo as Sagradas Escrituras, Jesus era o primogênito de Maria (Mt 1, 25 e Lc 2, 7). Portanto, dizer que Maria não teve outros filhos não condiz com a palavra de Deus, pois primogênito significa que nasceu primeiro; logo, Ela teve outros filhos. Para confirmar isso, em outro trecho da Bíblia está escrito que durante os 30 anos em que Jesus não tinha começado a pregar, teve que conviver com seus irmãos (Jo 7, 5).

Resposta

É falsa a interpretação de que Jesus não seria o único filho da Virgem Maria.

O leitor poderia citar várias outras passagens da Bíblia em que se fala dos “irmãos de Jesus”, inclusive o célebre trecho de São Mateus (13, 55-56) em que se dão os nomes desses “irmãos”, e se fala também das “irmãs” de Jesus. Não o fez, certamente por querer apresentar essa objeção de modo abreviado. Se fosse válida essa objeção — tipicamente protestante —, Nossa Senhora não teria sido Virgem.

Importa muito, para nós católicos, esclarecer esse ponto, uma vez que a virgindade perpétua de Maria é um dogma católico (cfr. Denzinger, Enchiridion Symbolorum, n. 256). Ademais, é uma das virtudes mais belas e mais admiráveis da Mãe de Deus, e por isso mesmo odiada especialmente pelo demônio.

Comecemos, pois, pelos “irmãos” e “irmãs” de Jesus, abundantemente mencionados no Novo Testamento: Mt 12, 46-47; Mt 13, 55ss.; Mc 3,31-32; Mc 6,3; Lc 8,19-20; Jo 2,12; Jo 7,3.5.10; Jo 20,17; Act. 1,14; Cor. 9,5; Gal. 1,19.

A elucidação dessa questão é simples: tanto o hebraico como o aramaico (línguas habitualmente faladas na Palestina na época de Jesus) usam a palavra “irmão” para designar toda espécie de parentesco, e mesmo pessoas de relacionamento muito próximo, como era o caso dos discípulos de Jesus. Por exemplo, ao narrar a aparição de Jesus ressuscitado a Santa Maria Madalena, o Evangelho de São João assim descreve o final da cena: “Disse-lhe Jesus [a Maria Madalena]: Não me toques, porque ainda não subi para meu Pai; mas vai a meus irmãos, e dize-lhes: Subo para meu Pai, e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Foi Maria Madalena dar a nova aos discípulos: Vi o Senhor, e ele disse-me estas coisas” (Jo 20,17-18). Nestes versículos do Evangelho, irmãos equivale evidentemente a discípulos.

Como dito acima, São Mateus chega a mencionar os nomes dos “irmãos de Jesus”: “E indo [Jesus] para a sua pátria, ensinava nas suas sinagogas, de modo que se admiravam e diziam: Donde lhe vem esta sabedoria e estes milagres? Porventura não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago e José e Simão e Judas? E suas irmãs não vivem todas entre nós? Donde vem pois a este todas estas coisas?” (Mt 13, 54-56). Note-se que não são mencionados os nomes das “irmãs” de Jesus.

De outro lado, ao falar das mulheres presentes no Calvário, São Mateus e São Marcos nomeiam especificamente: “Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e José, e a mãe dos filhos de Zebedeu” (Mt 27,56); “Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago o Menor e de José, e Salomé” (Mc 15,40).

Comparando os textos acima, ficam identificados dois dos “irmãos de Jesus”: Tiago o Menor e José, filhos de uma outra Maria, distinta da Mãe de Jesus. Eram, pois, parentes de Jesus. A Salomé, mencionada por São Marcos, é a mulher de Zebedeu nomeada por São Mateus, mãe de Tiago o Maior e de São João, o evangelista. Salomé ficou célebre por ter reivindicado junto a Jesus um lugar privilegiado para seus filhos no seu futuro reino (cfr. Mt 20,20-23; Mc 10,35-40). Tal reivindicação indica evidentemente um acesso fácil dela junto a Jesus.

São João consigna também a presença das várias Marias, distinguindo claramente a Mãe de Jesus das outras: “Estavam de pé junto à Cruz de Jesus sua Mãe, e a irmã de sua Mãe, Maria mulher de Cleofás, e Maria Madalena” (Jo 19, 25). Observe-se de passagem que aqui igualmente se registra o uso judeu de chamar de “irmã” de Maria uma sua parenta, pois, como é universalmente admitido, Maria era filha única. Por outro lado, sabe-se que essa “Maria, mulher de Cleofás” é a mãe de Simão (cfr. Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, III 2,32).

Resulta claro, portanto, que a palavra “irmãos” não corresponde a uma irmandade de sangue, mas a um parentesco — ou até a um relacionamento — mais ou menos próximo.

Quanto à palavra “primogênito”, era aplicada ao primeiro nascido, ainda que depois não se seguissem outros filhos, por causa das implicações legais que trazia consigo. Isto é, o primeiro nascido era o herdeiro dos direitos e das obrigações dos pais, em particular do patrimônio da família. Um sistema de morgadio, portanto, que dava segurança e estabilidade à família, o que explica a generalidade de sua aceitação por praticamente todos os povos no mundo inteiro, tendo vigorado no Ocidente até o Código Civil de Napoleão (1804), e mesmo depois.

Entre os judeus, no princípio os primogênitos eram os que exerciam o sacerdócio. Quando esse privilégio se adjudicou à tribo de Levi, permaneceu para as outras tribos a obrigação de “resgatar” simbolicamente os primogênitos (cfr. Num 3,12-13; 18, 15-16; Ex 13, 2; 24,19). De onde a enternecedora cena descrita por São Lucas: “E, depois que foram concluídos os dias da purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, levaram-no [o Menino Jesus] a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o varão primogênito será consagrado ao Senhor; e para oferecerem em sacrifício, conforme o que está escrito na lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos” (Lc 2,22-24). É óbvio que a apresentação do primogênito se fazia logo depois que este nascia, sem esperar que nascessem outros filhos. Em outros termos, a obrigação legal se impunha, mesmo que depois não nascessem outros filhos! O primeiro nascido já era imediatamente chamado primogênito, mesmo que nunca viesse a ter irmãos de sangue.

É falso concluir, pois, como fazem os protestantes, que a expressão de São Lucas — “e deu à luz o seu filho primogênito” (Lc 2,7) — implica em que Maria tivesse tido depois outros filhos.

Aliás, que Maria não teve outros filhos, a Bíblia o manifesta em outras passagens. Limitemo-nos a lembrar a pungente cena do Calvário: Cristo, moribundo, encomenda Maria Santíssima a São João, o qual, a partir de então, a recebeu em sua casa (Jo 19, 26-27). Se a Virgem Maria tivesse tido outros filhos, Jesus não teria por que se preocupar com o cuidado temporal de sua Mãe, pois este dever corresponderia aos demais filhos. Tanto mais quanto, muitos anos depois, São Paulo comenta que ainda vivia em Jerusalém “Tiago, o irmão do Senhor (Gal 1,19). São Tiago o Menor, como foi lembrado acima, era parente de Nosso Senhor.

A falsa afirmação protestante não tem, pois, nenhuma sustentação na Sagrada Escritura nem na Tradição.


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