19 de maio de 2011

Sobre as Provas da Existência de Deus à Luz da Ciência Natural Moderna


Alocução “Un ora”, 1952*


Pio XII


ÍNDICE


Introdução
Natureza e fundamentos das provas da existência de Deus
Duas essenciais notas características do cosmo
A) A mutabilidade do cosmo. Fato da mutabilidade
a) No macrocosmo
b) No microcosmo
Na esfera eletrônica
E no núcleo
O eternamente imutável
B) A direção das transformações
a) No macrocosmo: a lei da entropia
b) No microcosmo
C) O universo e seus desenvolvimentos
No futuro
No passado
D) O princípio no tempo
1. O distanciamento das nebulosas espirais ou galáxias
2. A idade da crosta sólida da terra
3. A idade dos meteoritos
4. A estabilidade dos sistemas de estrelas duplas e dos amontoados de estrelas
E) O estado e a qualidade da matéria originária
Conclusão
* * *



Na manhã de 22 de Novembro de 1951, o Santo Padre, vindo de Castel Gandolfo, concedeu uma audiência solene, na sala do Consistório, à Academia Pontifícia de Ciências, por ocasião da “Semana de Estudo do problema dos microssismos, organizada em Roma por esta Academia. Depois do discurso do Santo Padre, o M. R. P. Agostinho Gemelli, Presidente da Academia Pontifícia de Ciências, agradeceu ao Sumo Pontífice e fez menção, enumerando os seus trabalhos particulares, dos acadêmicos pontifícios falecidos durante o ano. Nossa tradução foi feita sobre o texto italiano aparecido em L’Osservatore Romano a 23 de Novembro. Os subtítulos são do texto italiano, a numeração marginal corresponde aos parágrafos do texto.


DISCURSO


Dirigido, a 22 de Novembro de 1951,
à Pontifícia Academia das Ciências


Introdução


1. Uma hora de serena alegria, pela qual somos grato ao Onipotente, é-Nos oferecida por esta reunião da Pontifícia Academia das Ciências, e ao mesmo tempo dá-nos a grata oportunidade de palestrarmos com um escol de eminentes Purpurados, de ilustres Diplomatas e de insignes Personagens, e especialmente convosco, Acadêmicos Pontifícios, bem dignos da solenidade desta assembléia, porquanto, indagando e desvendando os segredos da natureza, e ensinando os homens a dirigirem para o seu bem as forças dela, pregais ao mesmo tempo, com a linguagem dos algarismos, das fórmulas, dos descobrimentos, as inefáveis harmonias do Deus sapientíssimo.
2. De fato, a ciência verdadeira, contrariamente a arriscadas afirmações do passado, quanto mais avança tanto mais descobre Deus, como se Ele estivesse vigiando à espera, por trás de cada porta que a ciência abre. Antes, queremos dizer que, deste progressivo descobrimento de Deus, operado nos incrementos do saber, não somente se beneficia o cientista, quando pensa como filósofo — e como poderia abster-se disto?, — mas também tiram proveito todos àqueles que participam dos novos achados ou os tomam para objeto das suas considerações; e, de modo especial, tiram vantagem dele os genuínos filósofos, visto como, tomando das conquistas científicas os impulsos para as suas especulações racionais, daí auferem maior segurança nas suas conclusões, mais claras ilustrações nas possíveis sombras, mais convincentes subsídios para dar às dificuldades e às objeções uma resposta sempre mais satisfatória.


Natureza e fundamentos das provas da existência de Deus


3. Assim movido e guiado, o intelecto humano vai ao encontro dessa demonstração da existência de Deus que a sabedoria cristã reconhece nos argumentos filosóficos, joeirados nos séculos de gigantes do saber, e que para vós é bem conhecida na apresentação das “cinco vias” que o Angélico Doutor S. Tomás oferece como itinerário expedito e seguro da mente a Deus. Argumentos filosóficos, dissemos; mas nem por isto apriorísticos, como de tal os acusa um ingeneroso e incoerente positivismo. Eles operam sobre realidades concretas e certificadas pelos sentidos e pela ciência, mesmo se força probante adquirem do vigor da razão natural.
4. De tal arte, filosofia e ciências desenvolvem-se com atividades e métodos análogos e conciliáveis, valendo-se de elementos empíricos e racionais em diversa medida e conspirando em harmônica unidade para o descobrimento da verdade.
5. Mas, se a primitiva experiência dos antigos pôde oferecer à razão argumentos suficientes para a demonstração da existência de Deus, sucede que, com a ampliação e o aprofundamento do campo da própria experiência, mais cintilante e mais nítido refulge agora o vestígio do Eterno no mundo visível. Profícuo se afigura, pois, reexaminar, sobre a base das novas descobertas científicas, as clássicas provas do Angélico, especialmente as deduzidas do movimento e da ordem do universo (S. Th., 1 p., q. 2, art. 3); isto é, investigar se e quanto o conhecimento mais profundo da estrutura do macrocosmo e do microcosmo contribui para reforçar os argumentos filosóficos; e considerar depois, por outra parte, se e até que ponto foram eles, como não raras vezes se afirma, abalados pelo fato de haver a física moderna formulado novos princípios fundamentais, abolido ou modificado conceitos antigos cujo sentido, no passado, era talvez julgado fixo e definitivo, como, por exemplo, o tempo, o espaço, o movimento, a causalidade, a substância, conceitos sumamente importantes para a questão que ora nos ocupa. Mais do que de uma revisão das provas filosóficas, trata-se, pois, aqui de perscrutar as bases físicas — e, por questão de tempo, deveremos necessariamente restringir-Nos a algumas apenas, — das quais aqueles argumentos derivam. E não há que temer surpresas: a própria ciência não pretende sair desse mundo que, hoje como ontem, se apresenta com aqueles cinco “modos de ser”, dos quais toma impulso e nervo a demonstração filosófica da existência de Deus.


Duas essenciais notas características do cosmo


6. Destes “modos de ser” do mundo que nos circunda, modos notados com maior ou menor compreensão, mas com igual evidência, pelo filósofo e pela inteligência comum, há dois que as ciências modernas maravilhosamente sondaram, averiguaram e aprofundaram além de qualquer expectativa: lº) a mutabilidade das coisas, inclusive o seu nascimento e o seu fim; 2º) a ordem de finalidade que reluz em cada ângulo do cosmo. Notabilíssimo é o contributo assim prestado pelas ciências às duas demonstrações filosóficas que sobre elas versam e que constituem a primeira e a quinta vias. À primeira delas, a física, especialmente, tem conferido uma inesgotável mina de experiências, revelando o fato da mutabilidade em profundos recessos da natureza, onde anteriormente nenhuma mente humana podia sequer suspeitar-lhe a existência e a amplitude, e fornecendo uma multiplicidade de fatos empíricos que são um valiosíssimo subsídio para o raciocínio filosófico. Dizemos subsídio porque, ao contrário, a direção das mesmas transformações, embora certificadas pela física moderna, parece-Nos superar o valor de uma simples confirmação, e como que atinge a estrutura e o grau de um argumento físico em grande parte novo e, para muitas mentes, mais aceitável, persuasivo e agradável.
7. Com semelhantes riquezas, as ciências, especialmente as astronômicas e biológicas, têm, nos últimos tempos, proporcionado ao argumento da ordem um tal acervo de conhecimentos e uma tal visão, por assim dizer inebriante, da unidade conceitual que anima o cosmo e da finalidade que lhe dirige o caminho, que dessarte antecipa ao homem moderno aquele gáudio que o Poeta imaginava no céu empíreo, quando viu como em Deus “se interna — ligado com amor num só volume — o que pelo universo se folheia” (Paraíso 33, 85-87).
8. Todavia, a Providência dispôs que a noção de Deus, tão essencial à vida de cada homem, como facilmente se pode inferir de um simples olhar lançado sobre o mundo, que não lhe compreender a voz é estultícia (cf. Sab 13, 1-2), assim receba confirmação de todo aprofundamento e progresso dos conhecimentos científicos.
9. Querendo, pois, dar aqui uma rápida amostra do precioso serviço que as ciências modernas prestam à demonstração da existência de Deus, restringir-Nos-emos primeiramente ao fato das mutações, realçando-lhe principalmente a amplitude, a vastidão e, por assim dizer, a totalidade que a física moderna verifica no cosmo inanimado; depois, deter-Nos-emos sobre o significado da direção delas, qual ficou igualmente certificada. Será como que prestar ouvido a um pequeno concerto do imenso universo, que, entretanto, tem voz bastante para cantar “a glória d'Aquele que tudo move” (Par. 1, 1).


A) A mutabilidade do cosmo. Fato da mutabilidade


a) No macrocosmo:


10. Ao primeiro aspecto, justamente causa admiração o ver como, à medida que as ciências têm progredido, o conhecimento do fato da mutabilidade tem ganho sempre maior terreno tanto no macrocosmo como no microcosmo, como que confirmando com novas provas a teoria de Heráclito: “Tudo passa”: panta rhei. Como é conhecido, a própria experiência cotidiana mostra uma ingente quantidade de transformações no mundo próximo ou remoto que nos circunda, sobretudo os movimentos locais dos corpos. Mas, além destes verdadeiros e próprios movimentos locais, são, do mesmo modo, facilmente visíveis as multiformes mudanças químico-físicas, por exemplo a mutação do estado físico da água nas suas três fases de vapor, líquido e gelo; os profundos efeitos químicos mediante o uso do fogo, cujo conhecimento remonta à idade pré-histórica; a desagregação das pedras e a corrupção dos corpos vegetais e animais. A tal experiência comum veio juntar-se a ciência natural, que ensinou a compreender estes e outros semelhantes acontecimentos como processos de destruição ou de construção das substâncias corpóreas nos seus elementos químicos, ou seja nas suas mais pequenas partes, os átomos químicos. Antes, indo mais além, ela tornou manifesto como esta mutabilidade químico-física de modo algum se restringe aos corpos terrestres, como era a crença dos antigos, mas se estende a todos os corpos do nosso sistema solar e do grande universo, que o telescópio, e ainda melhor o espectroscópio, têm mostrado serem formados pelas mesmas espécies de átomos.


b) No microcosmo:


11. Contra a indiscutível mutabilidade da natureza mesmo inanimada, ainda se erguia, contudo, o enigma do inexplorado microcosmo. De feito, parecia que, diferentemente do mundo animado, a matéria inorgânica fosse, em certo sentido, imutável. As suas mais pequenas partes, os átomos químicos, podiam, sim, unir-se entre si nos mais diversos modos, porém pareciam gozar do privilégio de uma eterna estabilidade e indestrutibilidade, saindo inalterados de qualquer síntese e análise química. Há cem anos atrás, eles ainda eram julgados simples, indivisíveis e indestrutíveis partículas elementares. O mesmo se pensava das energias e das forças materiais do cosmo, sobretudo com base nas leis fundamentais da conservação da massa e da energia. Alguns naturalistas julgavam-se até autorizados a formular em nome da sua ciência uma fantástica filosofia monista, cuja triste lembrança está ligada, entre outros, ao nome de Ernst Haeckel. Porém mesmo no seu tempo, em fins do século passado, também esta concepção simplista do átomo químico foi transtornada pela ciência moderna. O crescente conhecimento do sistema periódico dos elementos químicos, o descobrimento das irradiações corpusculares dos elementos radioativos, e muitos outros fatos semelhantes, mostraram que o microcosmo do átomo químico, com dimensões da ordem do décimo milionésimo de milímetro, é teatro de contínuas mutações, não menos que o macrocosmo por todos bem conhecido.


Na esfera eletrônica:


12. E, primeiramente, o caráter da mutabilidade foi verificado na esfera eletrônica. Da estrutura eletrônica do átomo emanam irradiações de luz e de calor que são absorvidas pelos corpos externos, correspondentemente ao nível de energia das órbitas eletrônicas. Nas partes exteriores desta esfera efetua-se também a ionização do átomo e a transformação da energia na síntese e na análise das combinações químicas. Mas então podia-se supor que estas transformações químico-físicas ainda deixassem um refúgio à estabilidade, não atingindo o próprio núcleo do átomo, sede da massa e da carga elétrica positiva, pelas quais é determinado o lugar do átomo químico no sistema natural dos elementos, e onde pareceu encontrar-se como que o tipo do absolutamente estável e invariável.


E  no núcleo:


13. Mas já nos albores do novo século, a observação dos processos radioativos, a atribuir-se, em última análise, a uma espontânea desintegração do núcleo, leva a excluir um tal tipo. Verificada, pois, a instabilidade até no mais profundo recesso da natureza conhecida, restava todavia um fato que deixava perplexos os observadores, parecendo que o átomo era inatacável ao menos pelas forças humanas, visto haverem, em princípio, falhado todas as tentativas de lhes acelerar ou deter a natural desagregação radioativa, ou mesmo de desintegrar núcleos não-ativos. A primeira e assaz modesta desintegração do núcleo (de azoto) remonta a apenas três decênios; e só há poucos anos, após ingentes esforços, foi possível efetuar em consideráveis quantidades processos de formação e de decomposição de núcleos. Embora este resultado (que, quando serve às obras de paz, certamente se erige em título de louvor para o nosso século) não represente no campo da física nuclear prática senão um primeiro passo, todavia com ele é assegurada para a nossa consideração uma importante conclusão: os núcleos atômicos são, realmente, para muitas ordens de grandeza, mais firmes e mais estáveis do que as composições químicas ordinárias, porém, não obstante isto, são também maximamente sujeitos a semelhantes leis de transformação e, portanto, mutáveis.
14. Ao mesmo tempo, pôde-se verificar que tais processos têm a maior importância na economia da energia das estrelas fixas. No centro do nosso sol, por exemplo, opera-se, segundo Bethe, numa temperatura que gira em torno dos vinte milhões de graus, uma reação em cadeia fechada, na qual quatro núcleos de hidrogênio se unem num núcleo de hélio. A energia que assim se libera vem a compensar a perda devida à irradiação do próprio sol. Mesmo nos modernos laboratórios físicos consegue-se, mediante o bombardeio com partículas dotadas de altíssima energia ou com neurônios, efetuar transformações de núcleos, como se pode ver no exemplo do átomo de urânio. A este propósito, cumpre outrossim mencionar os efeitos da radiação cósmica, que pode desagregar os átomos mais pesados, desprendendo assim, não raras vezes, enxames inteiros de partículas subatômicas.
15. Quisemos citar apenas poucos exemplos, capazes entretanto de pôr fora de qualquer dúvida a expressa mutabilidade do mundo inorgânico, grande e pequeno: as múltiplas transformações das formas de energia, especialmente nas decomposições e combinações químicas no macrocosmo; e, não menos, a mutabilidade dos átomos químicos até à partícula subatômica dos seus núcleos.


O eternamente imutável


16. O cientista de hoje, mergulhando o olhar no interior da natureza mais profundamente do que o seu predecessor de cem anos atrás, sabe, pois, que a matéria inorgânica, por assim dizer na sua medula mais íntima, está marcada com o cunho da mutabilidade, e que portanto o seu ser e o seu subsistir exigem uma realidade inteiramente diversa e, por sua natureza, invariável.
17. Assim como num quadro em claro-escuro as figuras ressaltam do fundo escuro, só desse modo obtendo o pleno efeito de plástica e de vida, assim também a imagem do eternamente imutável emerge, clara e esplendente, da torrente que, no macro e no microcosmo, arrebata consigo todas as coisas e as transtorna numa intrínseca mutabilidade que nunca pára. O cientista que se detém à margem dessa imensa torrente, acha repouso naquele grito de verdade com que Deus se definiu a si mesmo: “Eu sou quem sou” (ÊX 3, 14), e que o Apóstolo louva como “Pater luminum, apud quem non est transmutatio neque vicissitudinis obumbratio” (Tgo 1, 17).


B) A direção das transformações


a) No macrocosmo: a lei da entropia.[1]


18. Mas a ciência moderna não somente alargou e aprofundou os nossos conhecimentos sobre a realidade e a amplitude da mutabilidade do cosmo; oferece-nos também preciosas indicações acerca da direção segundo a qual se realizam os processos na natureza. Ao passo que, ainda há cem anos, especialmente depois do descobrimento da lei da constância, se pensava que os processos naturais fossem reversíveis, e, por isto, segundo os princípios da estrita causalidade — ou, melhor, determinação — da natureza, considerava-se possível uma sempre ocorrente renovação e rejuvenescimento do cosmo; com a lei da entropia, descoberta graças a Rodolfo Clausius, veio-se a conhecer que os processos naturais espontâneos estão sempre unidos a uma diminuição da energia livre e utilizável; o que, num sistema material fechado, deve conduzir finalmente à cessação dos processos em escala macroscópica. Este destino fatal, que somente hipóteses às vezes sobejamente gratuitas, como a da criação contínua supletiva, se esforçam por poupar ao universo, mas que, ao invés, ressalta da experiência científica, postula eloqüentemente a existência de um Ente necessário.


b) No microcosmo:


19. No microcosmo, esta lei, estatística no fundo, não tem aplicação, e, além disto, ao tempo da sua formulação quase nada se conhecia da estrutura e do comportamento do átomo. Todavia, a mais recente investigação sobre o átomo, e outrossim o inesperado desenvolvimento da astrofísica, possibilitaram neste campo surpreendentes descobrimentos. O resultado não pode ser aqui senão brevemente indicado, e é que também ao desenvolvimento atômico e intra-atômico é claramente consignado um sentido de direção.
20. Para ilustrar este fato, bastará recorrer ao já mencionado exemplo do comportamento das energias solares. A estrutura eletrônica dos átomos químicos na fotosfera do sol desprende, a cada segundo, uma gigantesca quantidade de energia radiante no espaço circunstante, do qual não retorna. A perda é compensada no interior do sol por meio da formação de hélio de hidrogênio. A energia que com isto se torna livre provém da massa dos núcleos de hidrogênio, a qual, neste processo, em pequena parte (7%) se converte em energia equivalente. O processo de compensação desenvolve-se, pois, a expensas da energia, que originariamente, nos núcleos de hidrogênio, existe como massa. Assim, no curso de bilhões de anos, lenta mas irreparavelmente, tal energia transforma-se em radiações. Coisa semelhante acontece em todos os processos radioativos, quer naturais, quer artificiais. Mesmo aqui, pois, no estrito e próprio microcosmo, verificamos uma lei que indica a direção da evolução, e que é análoga à lei da entropia no macrocosmo. A direção da evolução espontânea é determinada mediante a diminuição da energia utilizável na estrutura e no núcleo do átomo, e até agora não se conhecem processos capazes de compensar ou de anular tal degradação, por meio da formação espontânea de núcleos de alto valor energético.


C) O universo e seus desenvolvimentos


No futuro:


21. Portanto, se o cientista volve o olhar do estado presente do universo para o futuro, mesmo remotíssimo, vê-se forçado a verificar, no macrocosmo como no microcosmo, o envelhecimento do mundo. No curso de bilhões de anos, até mesmo as quantidades de núcleos atômicos aparentemente inesgotáveis perdem energia utilizável, e, para falar figuradamente, a matéria aproxima-se de um vulcão extinto e escoriforme. E vem a pêlo pensar que, se o cosmo presente, hoje tão pulsante de ritmos e de vida, não é suficiente para, como se viu, dar razão de si, tanto menos poderá fazê-lo o cosmo sobre o qual houver passado, a seu modo, a asa da morte.


No passado:


22. Voltemos agora o olhar para o passado. À medida que se retrocede, a matéria apresenta-se sempre mais rica de energia livre, e teatro de grandes transtornos cósmicos. Assim, tudo parece indicar que o universo material teve, desde tempos finitos, um poderoso início, provido como estava de uma abundância inimaginavelmente grande de reservas energéticas, em virtude das quais, primeiro rapidamente, depois com crescente lentidão, evolveu para o estado presente.
23. Apresentam-se, pois, espontâneos, à mente, dois quesitos: Está a ciência em condições de dizer quando teve lugar esse poderoso princípio do cosmo? E qual era o estado inicial, primitivo, do universo?
24. Os mais excelentes peritos da física do átomo, em colaboração com os astrônomos e com os astrofísicos, têm-se esforçado por fazer luz sobre estes dois árduos, mas sobremodo interessantes problemas.


D) O princípio no tempo


25. Antes de tudo, para citar algumas cifras, que nada pretendem senão exprimir uma ordem de grandeza ao designar o alvorecer do nosso universo, isto é, o seu princípio no tempo, a ciência dispõe de várias vias, cada uma bastante independente da outra, mas no entanto convergentes, as quais brevemente indicamos:


1. O distanciamento das nebulosas espirais ou galáxias


26. O exame de numerosas nebulosas espirais, executado especialmente por Edwin E. Hubble no Mount Wilson Observatory, levou ao significativo resultado — embora temperado de reservas — de que esses longínquos sistemas de galáxias tendem a distanciar-se uma da outra com tanta velocidade, que o intervalo entre duas dessas nebulosas espirais em cerca de 1300 milhões de anos se duplica. Se se olha, atrás, o tempo deste processo do “Expanding Universe”, resulta que, de um a dez bilhões de anos passados, a matéria de todas as nebulosas espirais achava-se comprimida num espaço relativamente restrito quando os processos cósmicos tiveram princípio.


2. A idade da crosta sólida da terra


27. Para calcular a idade das substâncias originárias radioativas, datas muito aproximativas se deduzem da transmutação do isótopo do urânio 238 num isótopo de chumbo (RaG), do urânio 235 em actínio D (AcD) e do isótopo de tório 232 em tório D (ThD). A massa de hélio que com isto se forma pode servir de controle. Por tal via, resultaria que a idade média dos minerais mais antigos é, no máximo, de 5 bilhões de anos.


3. A idade dos meteoritos


28. O método precedente aplicado aos meteoritos, para lhes calcular a idade, deu aproximadamente a mesma cifra de 5 bilhões de anos. Resultado este que adquire especial importância desde quando hoje em dia é geralmente admitida a origem interestelar dos meteoritos.


4. A estabilidade dos sistemas de estrelas duplas e dos amontoados de estrelas


29. As oscilações da gravitação dentro destes sistemas, como o atrito das marés, restringem de novo a estabilidade deles para entre os termos de 5 até 10 bilhões de anos.
30. Se estas cifras podem causar estupor, todavia nem mesmo ao mais simples dos crentes trazem elas um conceito novo e diverso do ensinado pelas primeiras palavras do Gênese “In principio”, ou seja o início das coisas no tempo. A essas palavras elas dão uma expressão concreta e quase matemática, enquanto um conforto a mais brota delas para aqueles que compartilham com o Apóstolo a estima para com essa Escritura, divinamente inspirada, a qual é sempre útil “ad docendum, ad arguendum, ad corripiendum, ad erudiendum” (2 Tim 3, 16).


E) O estado e a qualidade da matéria originária


31. Com igual empenho e liberdade de indagação e de verificação, além de à questão sobre a idade do cosmo os doutos aplicaram o seu audaz engenho à outra, já apontada, e certamente mais árdua, que concerne ao estado e à qualidade da matéria primitiva.
32. Segundo as teorias que se tomam por base, os relativos cálculos diferem não pouco uns dos outros. Contudo, concordam os cientistas em admitir que, ao lado da massa, também a densidade, a pressão e a temperatura devem ter atingido graus totalmente enormes, como se pode ver no recente trabalho de A. Unsöld, diretor do Observatório de Kiel (Kernphysik und Kosmologie, na Zeitschrift für Astrophysik, 24. B., 1948, pp. 278-305). Só em tais condições se pode compreender a formação dos núcleos pesados e a sua freqüência relativa no sistema periódico dos elementos.
33. Por outro lado, com razão a mente ávida de verdade insiste em perguntar como foi que a matéria chegou a um estado tão inverossímil para a nossa comum experiência de hoje, e que foi que a precedeu. Em vão se esperaria uma resposta da ciência natural, a qual antes lealmente declara achar-se em face de um enigma insolúvel. Bem verdade é que demasiado se exigiria da ciência natural como tal; mas certo é também que mais profundamente penetra no problema o espírito humano versado na meditação filosófica.
34. É inegável que uma mente iluminada e enriquecida pelos modernos conhecimentos científicos, a qual pondere serenamente este problema, é levada a romper o círculo de uma matéria totalmente independente e autóctona, ou porque incriada, ou porque criada por si, e a remontar a um Espírito criador. Com o mesmo olhar límpido e crítico com que examina e julga os fatos, entrevê ela e reconhece aí a obra da onipotência criadora, cuja virtude, agitada pelo potente “fiat” pronunciado há bilhões de anos pelo Espírito criador, se desenvolveu no universo, chamando à existência, com um gesto de amor generoso, a matéria exuberante de energia. Parece, realmente, que a ciência hodierna, saltando de um pulo milhões de séculos, conseguiu fazer-se testemunha desse primordial “Fiat lux”, quando do nada prorrompeu, com a matéria, um mar de luz e de radiações, enquanto as partículas dos elementos químicos se cindiram e se reuniram em milhões de galáxias.
35. Bem verdade é que, da criação no tempo, os fatos até aqui averiguados não são argumento de prova absoluta, como são, ao contrário, os atingidos pela metafísica e pela revelação, naquilo que concerne à simples criação, e pela revelação se se trata de criação no tempo. Os fatos pertinentes às ciências naturais, a que Nos havemos referido, aguardam ainda maiores indagações e confirmações, e as teorias fundadas neles precisam de novos desenvolvimentos e provas, para oferecerem uma base segura a uma argumentação que, por si, está fora da esfera própria das ciências naturais.
36. Não obstante isto, é digno de atenção que modernos cultores destas ciências considerem a idéia da criação do universo inteiramente conciliável com a sua concepção científica, e que, antes, a ela são eles espontaneamente conduzidos pelas suas investigações; ao passo que, ainda há poucos decênios, uma tal “hipótese” era repelida como absolutamente inconciliável com o estado presente da ciência. Ainda em 1911 o célebre físico Svante Arrehnius declarava que “a opinião de que alguma coisa possa nascer do nada está em contraste com o estado presente da ciência, segundo a qual a matéria é imutável” (Die Vorstellung vom Weltgebäude im Wandel der Zeiten, 1911, p. 362). De igual modo, é de Plate a afirmação: “A matéria existe. Do nada não nasce nada: por conseqüência, a matéria é eterna. Não podemos admitir a criação da matéria” (Ultramontane Weltanschauung und moderne Lebenskunde, 1907, p. 55).
37. Quão diverso e mais fiel espelho de imensas visões é, ao contrário, a linguagem de um moderno cientista de primeira ordem, Sir Edmund Whittaker, Acadêmico Pontifício, quando fala das supracitadas investigações em torno da idade do mundo: “Estes diferentes cálculos convergem para a conclusão de ter havido uma época, cerca de 109 ou 1010 anos atrás, antes da qual o cosmo, se existia, existia de forma totalmente diversa de qualquer coisa por nós conhecida: de modo que ela representa o último limite da ciência. Podemos, talvez, sem impropriedade, referir-nos a ela como à criação. Ela fornece um concordante fundo à visão do mundo que é sugerida pela evidência geológica, isto é, de que todo organismo existente na terra teve um princípio no tempo. Se este resultado devesse ser confirmado por futuras investigações, bem poderia vir a ser considerado como a mais importante descoberta da nossa época, visto representar uma mudança fundamental na concepção científica do universo, semelhante à efetuada, há quatro séculos, por obra de Copérnico” (Space and Spirit, 1946, pp. 118-119).


Conclusão


38. Qual é, pois, a importância da ciência moderna relativamente ao argumento, em prova da existência de Deus, deduzido da mutabilidade do cosmo? Por meio de indagações exatas e particularizadas no macrocosmo e no microcosmo, ela alargou e aprofundou consideravelmente o fundamento empírico em que aquele argumento se baseia, e do qual se conclui para a existência de um Ens a se, imutável por sua natureza. Além disto, ela seguiu o curso e a direção dos desenvolvimentos cósmicos, e, assim como lhes entreviu o termo fatal, assim também apontou o início deles num tempo de cerca de 5 bilhões de anos atrás, confirmando, com a positividade própria das provas físicas, a contingência do universo e a fundada dedução de que por aquela época o cosmo tenha saído das mãos do Criador.
39. A criação no tempo, pois; e, por isto, um Criador; portanto Deus! É esta a voz, conquanto não explícita nem completa, que Nós pedíamos à ciência, e que a presente geração humana espera dela. É voz que irrompe da madura e serena consideração de um só aspecto do universo, vale dizer da sua mutabilidade; mas já é suficiente para que a humanidade inteira, ápice e expressão racional do macrocosmo e do microcosmo, tomando consciência do seu alto Criador, se sinta coisa d'Ele no espaço e no tempo, e, caindo de joelhos diante da sua soberana Majestade, comece a lhe invocar o nome: “Rerum, Deus, tenax vigor, — immotus in te permanens, — lucis diurnae tempora — successibus determinans” (ex Hymn. ad Nonam).
40. O conhecimento de Deus como único Criador, conhecimento comum a muitos cientistas modernos, é, de certo, o extremo limite a que pode chegar a razão natural; mas — como bem sabeis — não constitui a última fronteira da verdade. Do mesmo Criador, encontrado pela ciência no seu caminho, a filosofia, e muito mais a revelação, em harmônica colaboração, por serem todas três instrumentos da verdade como raios do mesmo sol, contemplam a substância, desvendam os contornos, reproduzem os traços. Sobretudo a revelação torna a presença dele quase imediata, vivificante, amorosa, qual a que o simples crente ou o cientista notam no íntimo do seu espírito, quando repetem sem vacilação as concisas palavras do antigo Símbolo dos Apóstolos: “Credo in Deum, Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae!”
41. Hoje, depois de tantos séculos de civilização, porque séculos de religião, não é que se faça mister descobrir pela primeira vez a Deus, quando, antes, urge senti-lo como Pai, venerá-lo como Legislador, temê-lo como Juiz; para salvação dos povos urge que eles adorem o Filho, amoroso Redentor dos homens, e se dobrem aos suaves impulsos do Espírito, fecundo Santificador das almas.
42. Esta persuasão, que da ciência tira os seus longínquos impulsos, é coroada pela fé, a qual, se sempre mais radicada na consciência dos povos, poderá deveras trazer um progresso fundamental ao curso da civilização.
43. É uma visão do todo, do presente como do futuro, da matéria como do espírito, do tempo como da eternidade, que, iluminando as mentes, poupará aos homens de hoje uma longa noite de tempestade.
44. É aquela fé que neste momento Nos faz elevar, Àquele que ainda há pouco invocamos como Vigor, Immotus e Pater, a fervorosa súplica por todos os seus filhos a Nós dados em custódia: “Largire lumen vespere, — quo vita nusquam decidat” (1. c.): luz para a vida do tempo, luz para a vida da eternidade.


* Editora Vozes Ltda., Petrópolis, R. J., Rio de Janeiro — São Paulo. Imprimatur por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra, Bispo de Petrópolis. Frei Lauro Ostermann, O. F. M. Petrópolis, 1-II-1952. Tradução de Luís Leal Ferreira.
[1] A entropia (do grego εντροπία, entropía) é uma grandeza termodinâmica geralmente associada ao grau de desordem. Ela mede a parte da energia que não pode ser transformada em trabalho. É uma função de estado cujo valor cresce durante um processo natural em um sistema fechado. A entropia cresce quando o corpo recebe calor; diminui, quando escapa calor. Rodolfo Clausius (1822-1888) é um físico alemão, que estudou sobretudo as teorias relativas ao calor dos corpos. Reduziu as leis fundamentais do calor às leis mecânicas e introduziu no estudo das transformações termodinâmicas a nova função da entropia. Publicou entre outros um livro intitulado: "Teoria mecânica do calor".


Fonte: http://spessantotomas.blogspot.com/2011/05/sobre-as-provas-da-existencia-de-deus.html

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