14 de junho de 2011

A impenitência final

No majestoso livro L’éternelle vie et la profundeur de l’ame, o Pe. Garrigou-Lagrange faz num dos capítulos um apanhado do que, em boa teologia, se chama impenitência final, ou seja: a total privação da graça eficaz no momento da morte, o que faz com que o pecador se perca definitivamente — e vá para o inferno. Em resumo, a alma neste estado fechou-se à reparação satisfatória que só poderia advir da contrição e dos conseqüentes atos de penitência exigidos pela sabedoria divina para que se salve.

Por Sidney Silveira

Em sentido geral, a impenitência define-se como ausência de satisfação pelos pecados cometidos. E pode ser ela temporal, nos casos em que, no decurso da vida, o pecador habitualmente age contrariamente à lei divina, e por isso encontra-se numa situação de grave risco; ou eterna, no caso da impenitência de alguém que se mantém fechado à ação da graça no exato momento da morte. Aqui, a pessoa morre em estado de endurecimento do coração. Em todos os casos, a impenitência sempre pressupõe uma vontade aderida ao mal.
No caso da impenitência final (a que por analogia se chama eterna,citada acima), Garrigou nos aponta duas formas:
  • A impenitência de fato, ou seja, a simples ausência de arrependimento na hora da morte. Acontece muitas vezes com pessoas colhidas pela morte súbita, ou com aquelas que simplesmente não se voltam a Deus, vivem como se Ele não existisse, e por isso não logram um ato de perfeita contrição ao morrer. Destes dizem alguns tomistas que foram surpreendidos pela morte;
  • A impenitência da vontade, que é a resolução positiva de não se arrepender dos pecados cometidos. Neste último caso, a alma simplesmente escolhe não aceitar a Deus (sendo tal situação bem mais deletéria que a primeira, pois indica uma pena mais terrível a pagar).
Para Santo Tomás, esta última espécie de impenitência final constitui não apenas pecado de malícia, mas um enorme pecado contra o Espírito Santo. E há mais a dizer: a impenitência final voluntária comporta graus de endurecimento do coração, que são na verdade precondições psicológicas conducentes à morte em pecado. Seriam eles:
  • grau dos endurecidos pela ignorância culposa, que os faz preferir os bens temporais aos eternos. Se se esforçassem um pouco para saber o que deveriam (lei natural) e o que poderiam (lei eterna), não permaneceriam impenitentes. Aqui, não é ocioso lembrar que a lei natural, sendo a participação da criatura racional na lei eterna, pode não ser reconhecida pelo homem em estado de cegueira mental, por causa do pecado, não obstante a sindérese jamais se apague;
  • grau dos endurecidos pela covardia, que, embora mais esclarecidos (e, portanto, mais culpáveis) que os anteriores, não encontram forças para quebrar os laços da luxúria, da avareza, da ambição, etc. — e não pedem em oração a força que lhes falta;
  • grau dos endurecidos pela malícia, que jamais rezam e não raro se revoltam contra a Providência, após qualquer infelicidade. Muitas vezes se tornam escarnecedores dos homens, de Deus e da verdadeira religião, revoltados, blasfemadores e descontentes tanto com o bem como com o mal. Vivem, na prática, uma espécie de antecipação do agônico estado espiritual que os espera, no inferno, após a morte.
Grandes Doutores da Igreja sempre frisaram que, seja qual for o grau de obstinação no pecado, sempre há chance de salvação até o último instante de vida, pois “Deus não quer a morte do ímpio, mas que se desvie do seu caminho e viva” (Ezeq. XXIII, 14-16). Porém, no caso dos endurecidos pela malícia, a remissibilidade dos seus pecados é, como apontara o tomista Santiago Ramírez em alguns textos, um grande milagre, pois pecam eles gravemente contra o Espírito Santo.
Em síntese, a impenitência temporal voluntária predispõe grandemente à impenitência final, malgrado a salvação in extremis que Deus concede a muitos pecadores endurecidos. É famoso o caso do Santo Cura D’Ars, que, certa vez, disse à mulher de um suicida: “Senhora, o seu marido salvou-se. Acabara ele de se jogar de uma ponte quando, segundos antes da morte, a Virgem lhe obteve a graça da conversão. Lembrais que um mês antes, em seu jardim, ele colhera uma rosa e vos disse: ‘Leva-a ao altar da Virgem?' Pois bem, Ela não o esqueceu”.
Depois de citar este e outros casos, como o Santa Catarina de Sena, que convertera in extremis dois grandes criminosos, o Pe. Garrigou afirma neste capítulo do seu belo livro que bom mesmo é não adiar a conversão; e ótimo é pedir com fervor, por meio de uma Ave-Maria diária, a graça de uma boa morte.

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